Entrevista de Sidney Rocha para o Verbo 21
comenta processos de criação e projetos para o futuro.
GUSTAVO RIOS – Vejo as resenhas que falam de Matriuska, e todas – ao menos as que pude ler – possuem elementos comuns na tentativa de “explicar” o livro. Ou seja, todos os resenhistas e/ou críticos citam dois temas como principais eixos: o universo feminino e a morte. Você concorda com isso ou faltou acrescentar algo essencial?
SIDNEY ROCHA - Acho o reino da resenha e da crítica um universo em separado. Sempre achei a resenha uma peça literária deliciosa. Por exemplo, quando escrevo uma resenha, preciso que ela prescinda de tudo, inclusive do livro resenhado. Acho que é essa a intenção de um bom resenhador ou bom crítico. As boas resenhas que li sobre a Matriuska têm isso, de se sustentarem sem a existência do livro ou do autor do livro. São diferentes dos simples comentários pela internet, por exemplo, que tem essa "explosão", e que conduz outros a lerem o livro. Uma resenha não é um comercial nem um manifesto. Não pode ser peça de divulgação ou manifestação do fígado de quem a escreve. A resenha é como um enigma, é uma marca. Um evangelho sem deus algum. Gosto de pensar nisso assim.
Quanto aos eixos a que você se refere na Matriuska, não os considero assim, como demarcadores, limites, brechas, feixes. Muita gente falou, sim, dessas duas pulsações, a morte e a mulher, e se trata disso também. Mas o livro é um romancezinho disfarçado de contos, e fala especialmente sobre relações humanas, dessas para as quais as gentes têm perdido a sensibilidade para redescobrir sem o uso de equipamento apropriado. Nesse caso, os contos de Matriuska são o telescópio. E a linguagem é o microscópio.
G.R. – Alguns personagens me parecerem bastante reais. É como se eles tivessem realmente existido; como se você os tivesse conhecido de fato, nas situações descritas no livro. Outra coisa que percebi foi uma espécie de repetição, como se tal personagem voltasse em outra página, numa situação completamente diferente. Mesmo sendo um puta clichê, fica a pergunta: quanto da sua realidade serviu de inspiração na obra?
S.R. - Não me preocupo mesmo com a realidade, camarada. Faço uma literatura de possibilidades e se algo difere entre o meu trabalho e o sonho de uma criança ou a imaginação de um drogado ou a experiência de um homem comum, a diferença está somente na forma. A forma é tudo. Este falso romance vestido na pele dos contos está costurado assim, de forma que os personagens possam invadir a qualquer momento a "possibilidade" do outro personagem num outro conto. Esta tensão marca, principalmente, quatro das dezoito uno-narrativas de Matriuska. Quem o ler, verá a ligatura. E como não me utilizo de recursos ilusionistas e de nenhum barroquismo no meu texto, isso fica tão claro que o leitor, acreditando ter visto todos os nós desatados, acredita estar conduzindo algum tipo de realidade. Ou estar numa. Uma ilusão de compreensão, por assim dizer, esta é a dimensão do leitor. O autor só está a um (de)grau acima.
G.R. – Para mim todos os contos foram escritos como se fossem urgentes. Não pelo tamanho, nem pela falta de detalhes que sirvam de lastro para que o leitor viaje e entenda seu universo. Mas a forma como os textos surgem parece mostrar que você tinha pressa em dizer tudo aquilo. Em quanto tempo você concluiu a obra? E foi um processo pensado o tempo todo, ou a inspiração definiu o ritmo?
S.R. - Costumo dizer que, em literatura, tudo é pensado. O sonho mesmo, no ponto de vista da construção onírica, já é um produto elaborado. Nada está simplesmente posto. Quem imagina diferente, que largue o ofício imediatamente. Melhor: nem comece. Detesto quando se referem ao ato de escrever como inspiração ou mediunidade ou zen-budismo ultramoderno. Detesto romantismos. Um escritor não pode ser ingênuo a este ponto porque não há leitor ingênuo de jeito nenhum. Eu mesmo, como leitor, não seguiria uma leitura onde não visse um plano, uma intenção de quem escreve. Ler algo assim é como essa tolice de seguir pessoas no twitter: Uma perda de tempo.
Agora, quanto ao que você se referiu, o plano não está no detalhe, na cena, no cenário. Está no personagem. Mas hoje que estou bonzinho vou lhe dizer o truque completo. Não está sequer no personagem, está na situação onde se coloca o personagem.
E aí onde entra a forma, não o formalismo da regra. A linguagem a serviço da narrativa, não da retórica e nem especialmente à norma gramatical por excelência. Lógico que não se trata de um desbunde, de um desmando, de um desmonte, de um desmantelo. Trata-se de firmeza, não de experimentações.
Já o livro, o escrevi em nove meses. Isto mesmo: o tempo de uma gestação (não lembro em quanto tempo as vacas são paridas). Foi outra coincidência. Na verdade, ele foi feito enquanto trabalhava em algo muito pesado, que era escrever roteiros para programas de tv, e aquilo, eu sentia, podia acabar com os meus ânimos de escritor. Na época, estava morando em hotéis, talvez venha disso a sua impressão de urgência, que mais lhe digo ser transitoriedade, trânsito. Então abri uma pasta no notebook, a nomeei de "ficar vivo", e fui escrevendo os contos e jogando lá.
G.R. - Sendo um processo pensado então, pergunto: qual seria o ponto de partida (se é que dá para responder a pergunta de forma simples) para os contos “egg” e “nuvem”? Parece uma pergunta cretina. E pode até ser mesmo. Mas, para mim, são dois exemplos onde o leitor deve se perguntar: “Onde o Sidney tira ideias desse tipo?”
S.R. – Gustavo, você que escreve sabe que as ideias vêm de lugar nenhum e de todos ao mesmo tempo. Nós que escrevemos também sabemos que o resultado do que escrevemos é a soma do tempo de observação, maturação, ócio e muito cálculo também. Portanto, é injusto imaginar que seja aquele dado momento que forneceu o “insight” pra determinado conto ou cena do romance. Mas é divertido lembrar elementos do processo criativo que, afinal, só servem mesmo para o escritor. Para que você tenha uma ideia, este conto que você mencionou, “nuvem”, tinha quinze páginas na sua versão original. Os personagens, a família Brian, eram lavradores, e tudo se passava na Segunda Guerra, na Europa. Tinha uma epígrafe do Antigo Testamento, sobre as pragas do Egito, era quase uma novela. Quem pudesse ler as duas versões entenderia um pouco do processo. Finalmente, no livro, o conto não alcança duas páginas. Fui guindado a escrever o conto desescrevendo aquela novelinha (porque era este o meu objetivo, escrever os contos, e jogar fora qualquer narrativa que tentasse me impedir no caminho) e, mantive o narrador, que parece sobrevoar, como se emprestasse ao conto uma atmosfera sombria, em off, uma fumaça. Depois é que tudo se transformou no essencial do conto. Ocorre muito isto comigo (Atualmente estou debastando um conto sobre um anão e nisso já trabalho há quatro meses, praticamente todos os dias).
Já o conto “egg” acometeu-me num hotel em São Paulo. Egg é um tipo de poltrona, desenhada por importante designer, e dei este nome a minha personagem. Tudo tem a ver com o consumo, em Matriuska. Mas tudo gratuitamente, sem querer transformar nada em sociologismos ou psicologismos ou “egg-ajamentos”, saca?
G.R. – O livro também parece que agradou a muita gente e a imprensa em geral.
S.R. - Foi. As pessoas podem ver algumas das críticas em um blog [http://matriuskando.blogspot.com] que um leitor está alimentando. O Estadão disse que o Matriuska era uma das grandes surpresas dos últimos tempos. O Marcelino [Freire] garantiu que era um dos melhores livros do ano etc., etc., mas importante é que as pessoas leiam, e botem suas conclusões nisso.
G.R. – Um escritor, não tendo domínio das outras etapas editoriais que ocorrem no processo de publicação, consegue, no máximo, imaginar o resultado final da obra. Falo da divulgação, do formato, do livro pronto. Você, sendo também um editor, colaborou na parte gráfica da obra. Além disso, outras questões sobre Matriuska (tiragens, divulgação etc.) tiveram sua participação?
S.R. - Quis me ausentar ao máximo de tudo neste livro. Venho caminhando nesse sentido, em quase tudo na vida. O ofício de editor lhe deixa sempre antenado com os processos, mas o fato de ter um editor como o Samuel Leon, da Iluminuras, deixa qualquer autor não somente à vontade, mas também muito bem "posto no seu devido lugar". Portanto, tudo segue bem, profissionalmente. Ainda não pude me livrar da parte hardcore, que é a coisa de lançamentos, aparições, o teatro dos lançamentos, mas confesso que venho encontrando prazer nisso também, como um ator, além de autor.
G.R. – Conte um pouco sobre o filme que surgiu do livro.
S.R. - Há muito que venho aproximando a minha produção ao cinema. Talvez porque a minha experiência de roteirista às vezes me leve a isto, muito embora a figura do roteirista às vezes seja tão distante da figura do escritor que a maioria das pessoas não acreditaria, vendo na prática. Há muito bons roteiristas que são péssimos escritores, e vice-versa. Além disso, não há nada pior para o cinema que a literatura e nada pior para a literatura que o cinema. Claro que isso é uma provocação. Mas esse debate a gente trava depois.
No caso do curta "Matriuska", Pablo Polo é o diretor, Isabela Cribari é a produtora executiva, e ele foi filmado todo no Recife. O Pablo escreveu lá abaixo dos créditos: "A Sidney Rocha, esse incendiário", porque eu o desafiei a fazer um filme sem romantismos também, sem esperar que chova grana, sem esperar que pare de chover chuva mesmo dos céus, um filme onde tudo fosse como escrever, um fast-movie, mas usando especialmente o fantástico talento que Pablo tem para o set, para a cena, para a direção de atores. E ele aceitou. E fez. Aquilo mexeu com a equipe toda, técnicos, atores, produtores, patrocinadores. Isto foi muito legal. Isto a literatura perde para o cinema. Esse prazer coletivo. O filme está percorrendo festivais por aí. Mais não sei. Mais que isso pergunte pro Pablo.
G.R.- Tenho a impressão que seu livro, surgido no final de uma década em que, aparentemente, a literatura brasileira ganhou em ruído, mas perdeu em essência. O próprio Marcelino Freire falou disso, se não me engano. Parece-me que Matriuska começa uma nova fase. Para você sua obra poderá influenciar novos escritores?
S.R. - Escrevo para leitores. Não me preocupo com outros escritores. Quero influenciar o modo como as pessoas leem.
G.R. - Quais seus próximos projetos?
S.R. - Sei que o meu romance Sofia tem chances de ser publicado para a rede de bibliotecas e escolas pelo Brasil afora, ainda em 2010. (Debastei o texto e o livro ganhou em clareza. Faço isso constantemente ao meu texto, mudo o que quero, quando quero, se não for coisa de contrato).
Aceitei o convite de participar da coletânea do Nelson Oliveira, para o Boitempo, sobre a literatura que vem se produzindo no Brasil, e que sai também agora.
Estou escrevendo novelas, e terminando um romance, que devo à editora desde o ano passado. Mas vou terminá-lo. Viajo agora para terminar. Não consigo viver sem alguma viagem, porque cada chegada em algum lugar sempre considero um começo, e isto é animador. Ah, mas antes de tudo, estou tentando me livrar daquele anão que te falei. Depois dele, o dilúvio.
Mais sobre o livro:
http://www.matriuska.com.br/
http://sequicosacro.blogspot.com/
Programa Espaço Aberto - Literatura - Globonews
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Todas as importâncias da personagem
A metáfora das bonequinhas russas servem tanto para explicar a temática trabalhada por Sidney, das mulheres e dilemas próprios delas, como também para ilustrar a forma com que o autor constrói as narrativas.
por Tatiana Faria
Uma vez conversando com um conhecido, versávamos sobre a motivação e a paixão pela literatura e, tentávamos um convencer o outro, dos sentidos, sentimentos e motivações que a literatura é capaz de causar. Pode ser devido aos meus vinte e uno anos ou ás constantes referências que as outras artes exercem em mim, mas o que eu gosto mesmo na literatura é quando ela faz com que o meu coração bata mais rápido e me leve a perguntas, na maioria das vezes, difíceis (ou impossíveis) de responder.
Com o passar do tempo, e me esforçando um pouco para adquirir algum repertório que fosse, me deslumbrei com muitas palpitações no coração, pude perceber, então, que as paixões eram consequentemente motivadas pelo gosto e que este tinha a ver com o habito, referências temáticas e estilísticas anteriores e com alguma influência de um repertório pessoal. Como tenho como tendência seguir e viver as paixões, resolvi aceitá-las e vivê-las em cada folheada de papel que por algum motivo me motivasse.
Assumo que prefiro os que me inspiram devido às inovações estilísticas, temáticas e principalmente aqueles que mal consigo explicar, quiçá racionalizar. E que mesmo tendo acesso e razoável compreensão das teorias literárias, estéticas e filosóficas, e ainda, alguma pitada de criatividade, continuo acreditando que nem tudo é capaz de explicação, e mesmo que um dia haja explicação para tudo, continuarei acreditando na superação da literatura e no surgimento de narrativas que continuem provando que nem tudo se explica, pois pretendo continuar vivendo as paixões.
Matriuska me ganhou logo de começo. A metáfora das bonequinhas russas servem tanto para explicar a temática trabalhada por Sidney, das mulheres e dilemas próprios delas, como também para ilustrar a forma com que o autor constrói as narrativas. É um livro de contos que facilmente pode ser estudado ou lido como uma narrativa romanesca, já que existe uma unidade entre os contos (ou capítulos) no que diz respeito ao tema, as personagens e a forma com que o autor molda todo o enredo. Como nas bonequinhas, que variam apenas pelo tamanho, mas que conservam na sua essência a forma, o livro trabalha concomitantemente com a variação do enredo (representando a individualidade e autonomia de cada conto) e com a repetição do tema (representando a coletividade existente entre eles).
Sidney retrata as peculiaridades femininas com singeleza e intensidade na mesma medida. Singelas, pois constrói o enredo através da descrição de ações e não procura explicar nem reduzir as experiências das personagens a possíveis construções morais ou apenas a temas centrais, abrangendo a experiência da leitura, pois ao não explicá-las o universo interpretativo se expande, e consequentemente se enriquece. Dessa maneira, a intensidade das suas ações se intensifica, muito por consequência de um apelo formal utilizado pelo autor, que fragmenta as vivências e descreve apenas o clímax de cada uma delas, tornando-as intensas e arrebatadoras na forma e na experiência obtida através delas.
A construção narrativa do livro é baseada, sobretudo, na construção das ações das personagens. Em muitos aspectos, a técnica empregada pelo autor se assemelha às construções utilizadas no cinema, em que há um desenvolvimento da história através das ações das personagens. No livro, as ações e objetos constroem simbolicamente as personagens e as questões abordadas por ela no conto, como a bolsa do conto "Matriuska" que carrega todas as importâncias da personagem. A apresentação da personagem através dos objetos quantifica as suas angústias e singularidades, além de produzir uma valorização do tema e da adjetivação utilizada no texto. Como, por exemplo, no trecho: “A solidão de um brinco que largara no mundo o seu par”. O autor usa de dois recursos formais para retratar a solidão da personagem. A metáfora dos brincos sem par e a adjetivação dessa experiência, através da utilização do termo “solidão” no começo da frase.
Em alguns momentos da minha leitura, me conflitava com a indecisão de continuá-la ou de deixá-la momentaneamente. Tratam-se de narrativas muito intensas tanto na forma quanto no conteúdo. Um pouquinho dela por dia já é suficiente para um deslumbramento completo em relação aos desdobramentos de questões formais relacionadas à literatura atual, que muitos julgam erroneamente não existir mais transgressão formal inovadora, e que este se encarrega de apresentar com completa maestria. Porém é necessário ressaltar que essa intensificação da forma e da experiência está relacionada à fragmentação das histórias a situações em sua maioria muito isoladas, como podemos observar se conflitarmos as relações entre os contos "Matriuska" e "Googlemap", em que mesmo ligadas através da mesma personagem e transformando as duas histórias em uma parte integrante da outra, mais uma vez trabalhando formalmente o conceito que dá nome ao livro (Matriuska), as narrativas continuam espaçadas e isoladas em experiências amplamente individualizadas da mesma personagem. E esse vai-e-vem entre a relação e o isolamento entre os contos, oferece a nós, leitores, a estranha sensação de expansão das experiências e logo em seguida de síntese delas.
A tendência a fragmentação das experiências artísticas em quase blocos, muito intensos, mas desconexos de um todo, tem sido amplamente explorado em vários campos das artes, como podemos observar ao conflitarmos a literatura atual com o tratado do Teatro Pós- dramático de Lhemann que diz que um dos pilares do teatro atual está na valorização da autonomia da cena e na recusa a qualquer tipo de “textocentrismo”. Se optarmos pela comparação entre as questões estéticas trabalhadas na atualidade entre os diversos segmentos artísticos, observaremos primeiro que os limites entre elas tornaram-se cada vez mais tênues e segundo que elas seguem tendências muito próximas em relação às inovações formais.
Os padrões regulares de classificação da literatura já não dão conta da atual ao romperem com os aspectos formais. Em relação ao gênero romanesco, não apresentam mais as unidades básicas da narrativa, o começo, o meio e o fim, e em relação a sua categorização como conto, possuem estruturas muito regulares no que diz respeito á construção formal e temática, esbarrando nos padrões autárquicos referendados nas teorias formais em relação aos aspectos do conto (em especial, as propostas por Júlio Cortázar). A hibridização do texto certamente aparece como a principal inovação formal e, consequentemente, tendência da cena literária atual. A dificuldade de classificação nos mostra a defasagem da teoria literária em relação aos aspectos contemporâneos, é certo que é necessário tempo para que alguns movimentos sejam reconhecidos e estudados, porém esse tempo, supostamente necessário, implica na defasagem entre obra, contexto histórico e construção crítica. Dessa maneira, parece que tudo na arte atual torna-se vanguarda, pois há um distanciamento enorme entre obra e teoria no que diz respeito aos aspectos temporais e, dessa maneira, muitas vezes a arte é acusada de não condizer com o seu tempo, enquanto o movimento deveria ser oposto, pois é crítica que não tem dado conta dele.
Ao ler o livro de contos de Sidney, senti (e ainda sinto) muita dificuldade em desvendar algumas construções formais empregadas por ele. Certamente esta dificuldade resulta concomitantemente da inovação estilística abordada por ele e da minha limitada percepção em relação aos padrões atuais. Pode ser também que daqui a 20 anos leia Matriuska e perceba que o meu equívoco não estava na incompreensão no texto, mas sim nele próprio e que não se trata de algo tão brilhante e inovador assim. Porém, ao me sentir motivada e viva durante a leitura, devo apostar em sua maestria hoje e daqui a 20 anos, pois são as palpitações que me tornam viva e a busca pelas explicações delas que me torna capaz de vivê-las.
por Tatiana Faria
Uma vez conversando com um conhecido, versávamos sobre a motivação e a paixão pela literatura e, tentávamos um convencer o outro, dos sentidos, sentimentos e motivações que a literatura é capaz de causar. Pode ser devido aos meus vinte e uno anos ou ás constantes referências que as outras artes exercem em mim, mas o que eu gosto mesmo na literatura é quando ela faz com que o meu coração bata mais rápido e me leve a perguntas, na maioria das vezes, difíceis (ou impossíveis) de responder.
Com o passar do tempo, e me esforçando um pouco para adquirir algum repertório que fosse, me deslumbrei com muitas palpitações no coração, pude perceber, então, que as paixões eram consequentemente motivadas pelo gosto e que este tinha a ver com o habito, referências temáticas e estilísticas anteriores e com alguma influência de um repertório pessoal. Como tenho como tendência seguir e viver as paixões, resolvi aceitá-las e vivê-las em cada folheada de papel que por algum motivo me motivasse.
Assumo que prefiro os que me inspiram devido às inovações estilísticas, temáticas e principalmente aqueles que mal consigo explicar, quiçá racionalizar. E que mesmo tendo acesso e razoável compreensão das teorias literárias, estéticas e filosóficas, e ainda, alguma pitada de criatividade, continuo acreditando que nem tudo é capaz de explicação, e mesmo que um dia haja explicação para tudo, continuarei acreditando na superação da literatura e no surgimento de narrativas que continuem provando que nem tudo se explica, pois pretendo continuar vivendo as paixões.
Matriuska me ganhou logo de começo. A metáfora das bonequinhas russas servem tanto para explicar a temática trabalhada por Sidney, das mulheres e dilemas próprios delas, como também para ilustrar a forma com que o autor constrói as narrativas. É um livro de contos que facilmente pode ser estudado ou lido como uma narrativa romanesca, já que existe uma unidade entre os contos (ou capítulos) no que diz respeito ao tema, as personagens e a forma com que o autor molda todo o enredo. Como nas bonequinhas, que variam apenas pelo tamanho, mas que conservam na sua essência a forma, o livro trabalha concomitantemente com a variação do enredo (representando a individualidade e autonomia de cada conto) e com a repetição do tema (representando a coletividade existente entre eles).
Sidney retrata as peculiaridades femininas com singeleza e intensidade na mesma medida. Singelas, pois constrói o enredo através da descrição de ações e não procura explicar nem reduzir as experiências das personagens a possíveis construções morais ou apenas a temas centrais, abrangendo a experiência da leitura, pois ao não explicá-las o universo interpretativo se expande, e consequentemente se enriquece. Dessa maneira, a intensidade das suas ações se intensifica, muito por consequência de um apelo formal utilizado pelo autor, que fragmenta as vivências e descreve apenas o clímax de cada uma delas, tornando-as intensas e arrebatadoras na forma e na experiência obtida através delas.
A construção narrativa do livro é baseada, sobretudo, na construção das ações das personagens. Em muitos aspectos, a técnica empregada pelo autor se assemelha às construções utilizadas no cinema, em que há um desenvolvimento da história através das ações das personagens. No livro, as ações e objetos constroem simbolicamente as personagens e as questões abordadas por ela no conto, como a bolsa do conto "Matriuska" que carrega todas as importâncias da personagem. A apresentação da personagem através dos objetos quantifica as suas angústias e singularidades, além de produzir uma valorização do tema e da adjetivação utilizada no texto. Como, por exemplo, no trecho: “A solidão de um brinco que largara no mundo o seu par”. O autor usa de dois recursos formais para retratar a solidão da personagem. A metáfora dos brincos sem par e a adjetivação dessa experiência, através da utilização do termo “solidão” no começo da frase.
Em alguns momentos da minha leitura, me conflitava com a indecisão de continuá-la ou de deixá-la momentaneamente. Tratam-se de narrativas muito intensas tanto na forma quanto no conteúdo. Um pouquinho dela por dia já é suficiente para um deslumbramento completo em relação aos desdobramentos de questões formais relacionadas à literatura atual, que muitos julgam erroneamente não existir mais transgressão formal inovadora, e que este se encarrega de apresentar com completa maestria. Porém é necessário ressaltar que essa intensificação da forma e da experiência está relacionada à fragmentação das histórias a situações em sua maioria muito isoladas, como podemos observar se conflitarmos as relações entre os contos "Matriuska" e "Googlemap", em que mesmo ligadas através da mesma personagem e transformando as duas histórias em uma parte integrante da outra, mais uma vez trabalhando formalmente o conceito que dá nome ao livro (Matriuska), as narrativas continuam espaçadas e isoladas em experiências amplamente individualizadas da mesma personagem. E esse vai-e-vem entre a relação e o isolamento entre os contos, oferece a nós, leitores, a estranha sensação de expansão das experiências e logo em seguida de síntese delas.
A tendência a fragmentação das experiências artísticas em quase blocos, muito intensos, mas desconexos de um todo, tem sido amplamente explorado em vários campos das artes, como podemos observar ao conflitarmos a literatura atual com o tratado do Teatro Pós- dramático de Lhemann que diz que um dos pilares do teatro atual está na valorização da autonomia da cena e na recusa a qualquer tipo de “textocentrismo”. Se optarmos pela comparação entre as questões estéticas trabalhadas na atualidade entre os diversos segmentos artísticos, observaremos primeiro que os limites entre elas tornaram-se cada vez mais tênues e segundo que elas seguem tendências muito próximas em relação às inovações formais.
Os padrões regulares de classificação da literatura já não dão conta da atual ao romperem com os aspectos formais. Em relação ao gênero romanesco, não apresentam mais as unidades básicas da narrativa, o começo, o meio e o fim, e em relação a sua categorização como conto, possuem estruturas muito regulares no que diz respeito á construção formal e temática, esbarrando nos padrões autárquicos referendados nas teorias formais em relação aos aspectos do conto (em especial, as propostas por Júlio Cortázar). A hibridização do texto certamente aparece como a principal inovação formal e, consequentemente, tendência da cena literária atual. A dificuldade de classificação nos mostra a defasagem da teoria literária em relação aos aspectos contemporâneos, é certo que é necessário tempo para que alguns movimentos sejam reconhecidos e estudados, porém esse tempo, supostamente necessário, implica na defasagem entre obra, contexto histórico e construção crítica. Dessa maneira, parece que tudo na arte atual torna-se vanguarda, pois há um distanciamento enorme entre obra e teoria no que diz respeito aos aspectos temporais e, dessa maneira, muitas vezes a arte é acusada de não condizer com o seu tempo, enquanto o movimento deveria ser oposto, pois é crítica que não tem dado conta dele.
Ao ler o livro de contos de Sidney, senti (e ainda sinto) muita dificuldade em desvendar algumas construções formais empregadas por ele. Certamente esta dificuldade resulta concomitantemente da inovação estilística abordada por ele e da minha limitada percepção em relação aos padrões atuais. Pode ser também que daqui a 20 anos leia Matriuska e perceba que o meu equívoco não estava na incompreensão no texto, mas sim nele próprio e que não se trata de algo tão brilhante e inovador assim. Porém, ao me sentir motivada e viva durante a leitura, devo apostar em sua maestria hoje e daqui a 20 anos, pois são as palpitações que me tornam viva e a busca pelas explicações delas que me torna capaz de vivê-las.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Gravatas e borboletas
por Marcelino Freire
Conhece Sidney Rocha? Ora. Faz tempo que ele existe. Desde que li, faz um tempo danado, a sua novela Calango-tango, eu sentia falta do texto dele. Do trinado, do ciscado. Da prece que ele faz. Do rebuliço de seus personagens. Seus parágrafos certeiros. Seu jeito de prosear. Poética, assim, medonha. Estética sem cerimônia. Sim, ele também lançou o romance Sofia. De repente, eis que ele volta, com este livro de contos curtos. E assustadores. Porque inovadores. Porque musicais, etc. e tais. E porque dificilmente existe autor como ele. Falando de certas mulheres. De certos recalques. Sem ser chato, entende? Sem querer ser o dono-da-cocada. O pior sujeito é aquele que se acha. Facilmente. Aquele que coloca borboleta na gravata para escrever. E não voa. Não sai da mesmice. Eta porra! Sidney tem o que eu aprecio em to-do coração arredio: a pulsação. A verdade. O senti-mento que está na linguagem. Nos sons que ele costura tão bem. Tão modernamente, saravá, amém!
Caro leitor, pode apostar: pegue este livro [Matriuska] na mão e veja se eu não tenho razão. Resumindo: são contos-cantos que vêm inovar e sacudir a prosa brasileira. E depois seguir por aí. Descendo e subindo a ladeira. Deixando seu sangue na gente. Assim, tão raro e para sempre!
Conhece Sidney Rocha? Ora. Faz tempo que ele existe. Desde que li, faz um tempo danado, a sua novela Calango-tango, eu sentia falta do texto dele. Do trinado, do ciscado. Da prece que ele faz. Do rebuliço de seus personagens. Seus parágrafos certeiros. Seu jeito de prosear. Poética, assim, medonha. Estética sem cerimônia. Sim, ele também lançou o romance Sofia. De repente, eis que ele volta, com este livro de contos curtos. E assustadores. Porque inovadores. Porque musicais, etc. e tais. E porque dificilmente existe autor como ele. Falando de certas mulheres. De certos recalques. Sem ser chato, entende? Sem querer ser o dono-da-cocada. O pior sujeito é aquele que se acha. Facilmente. Aquele que coloca borboleta na gravata para escrever. E não voa. Não sai da mesmice. Eta porra! Sidney tem o que eu aprecio em to-do coração arredio: a pulsação. A verdade. O senti-mento que está na linguagem. Nos sons que ele costura tão bem. Tão modernamente, saravá, amém!
Caro leitor, pode apostar: pegue este livro [Matriuska] na mão e veja se eu não tenho razão. Resumindo: são contos-cantos que vêm inovar e sacudir a prosa brasileira. E depois seguir por aí. Descendo e subindo a ladeira. Deixando seu sangue na gente. Assim, tão raro e para sempre!
fascinada angústia
por Mário Hélio
“Nós não vamos a lugar nenhum”. É a frase. Mais que frase. Sentença. De uma personagem. Não só de uma. Destino de tudo. Do que vive, do que não nasceu e do que não virá. No plano mais geral, quase metafísico, parece terrível, no meio específico, do cotidiano, assume, no entanto, o seu sentido mais doloroso, a fragilidade do cotidiano desafortunado: o que move cada uma das figuras em ação neste livro.
Lugar nenhum define a Utopia. o Fim da utopia. Urbanos, demasiado urbanos, estes contos são retalhos, fragmentos, pedaços de vida, histórias-partidas, peças desarticuladas como as que (em)prega o destino. Estranhamente, essa desarticulação é estrutural. Tudo aqui parece (de)composição. Como uma fuga.
Na falta de melhor nome o gênero disto se chama de conto. Mas de que conto se trata? Se todas as histórias se enovelam como se não pudessem estar separadas, como se encontrassem labirintos em tudo, não apenas nos cabelos do deserto e nas selvas selvagens ásperas e fortes das cebolas.
Babuska ou Matriuska assume, claro, aqui mais do que o literal das bonecas russas, alcança o literário, o simbólico, e o simbólico é, por todos os feitos, mais do que o eterno (ou fugaz) feminino. É a maternidade, a vida mesma, como disse o poeta, sem mistificação, a vida contendo a morte, como uma estranha matriuska, e uma coisa parece não oposta, mas contida na outra, não somente na narrativa que dá título ao livro, mas nas outras, como neste exemplo de “mastruz”:
E no caso de diversas personagens, não é só a vontade de morrer, mas a consecução o que se performa. Nestas histórias tristes e violentas, há mais a introversão de suicídios e abortos que a extroversão de homicídios e infanticídios.
A morte é algo familiar neste livro [Matriuska ], seja como vontade no último texto referido, seja noutro que se explicita em expressões como esta: “eu tava parindo era a morte”, e é justo dessas tensões maternidade-morte que brotam as muitas ironias de que enchem estas histórias: “mãe entende de tudo, mas pra tudo não deu”. Há muitas iro¬nias verbais, e podem ser vigiadas já a partir dos títulos, mesmo nos inexatos, como aquele que se refere à menopausa e se define “pause”, quando o que se tem mesmo é o começo do fim.
Noutra, é o humor negro, amargo, que emoldura o desejo de uma personagem como nova Medéia: não de um dia como a amante de Jasão: “ela precisava de dois dias”.
Com sutis alegorias e associações de ideias, há menções veladas à mitologia, mas recriada de modo inteligente – como fez Joyce no Ulysses, cotidianizando, vulgarizando o que outrora teria sido solene. Assim é que “o crochê: tinha terminado” evoca, evidentemente, a última das três parcas. Há outros em que ironicamente se refere a uma “Nereida” e a uma “Diana”.
Além das referências pagãs, há também de sobra as cristãs (claras ou disfarçadas), como Ruth, Guadalupe, Ana, Maggie, Cristiane, Rutilene etc.
E há histórias em que o “acerto de contas” parece dar o tom. Em “feedback” pode-se evocar o Rulfo de “Você não escuta os cães latirem?”. Só que desta vez não é a recriminação pai-filho, e sim mulher-marido.
As mulheres, na verdade, dão o tom e são o tema de todas as histórias. Os seus nomes pseudossolenes aparecem quase displicentes: Marisa, Ana, Rutilene, Cristiane, Ruth, Cleonice, Jane, Guadalupe, Zulmira, Lucinha, Yoko, Rebeca, Martinha.
Matriuska batiza o livro. Mas a russa não é a única boneca que titula histórias, há também outra que se ba¬tizou de Barbie. A matriuska é rechonchuda e “real”. A Barbie é magra e “ideal”, um dos grandes ícones das curvas e linhas do feminino nesta parte do Ocidente e neste momento da história. Diferentemente da matriuska, que é feita de acrescentamento de outras bonecas, ou dela mesma em vários tamanhos, a Barbie apenas troca de roupa. Camadas e camadas de uma que se veste de si mesma; camadas e camadas de outra que multiplica a superfície. Uma mise-en-scène, outra mise-en-abyme. Uma será sempre filha, em seus teatros para fora; outra será sempre mãe, em suas quedas para dentro.
A Barbie acabou de completar 50 anos. Nesse mesmo ano de 1959, quando por assim dizer nascia a Barbie, saiu uma versão castelhana das Crônicas marcianas de Bradbury prefaciada por Jorge Luis Borges. No seu texto ele se remete a um leitura que fizera 50 anos: “com fascinada angústia, no crepúsculo de uma casa que já não existe, Os primeiros homens na lua, de Wells”. Mal sabia Borges que dez anos depois de 1959 se cumpriria não o sonho de Wells (de 1901), mas o de Verne, que é bem anterior (Da terra à lua, de 1865, e À volta da lua, que é de 1869). Mas no texto de Borges há outra menção temporal que vale a pena referir: “Bradbury escreve 2004 e sentimos a gravitação, a fadiga, a vasta e vaga acumulação do passado”.
Bradbury escreve para o futuro e Borges o lê assim. E agora – 2009 – o futuro já é passado? A resposta à per¬gunta é mais difícil do que parece, como aliás já notou há séculos Santo Agostinho, na passagem famosa das suas Confissões. A pergunta aqui é outra — não o que é o tempo?, mas o que é o tempo destas histórias de ficção. Em que tempo vivem as Marisas e Guadalupes destes contos. Como costuma acontecer quando se constroem bem as personagens — e aqui elas não são desenvolvidas de modo convencional porque apenas existem inseparáveis dos fatos, são mesmo escravas deles — ganham uma estranha vivência, uma inquietante familiaridade.
Essas bonecas não são de plástico. São matriuskas de carne, em carne(água)-viva, e se uma delas sabe “deixar o tempo correr”, não é propria¬mente de tempo que fala, mas do sangue. Boas histórias, mais do que as guerras, costumam promover bons derramamentos de sangue, e estas ainda vêm com o bônus da “fascinada angústia” ou da fascinação angustiada que parece ser a verdadeira casa de bonecas de todo bom narrador.
“Nós não vamos a lugar nenhum”. É a frase. Mais que frase. Sentença. De uma personagem. Não só de uma. Destino de tudo. Do que vive, do que não nasceu e do que não virá. No plano mais geral, quase metafísico, parece terrível, no meio específico, do cotidiano, assume, no entanto, o seu sentido mais doloroso, a fragilidade do cotidiano desafortunado: o que move cada uma das figuras em ação neste livro.
Lugar nenhum define a Utopia. o Fim da utopia. Urbanos, demasiado urbanos, estes contos são retalhos, fragmentos, pedaços de vida, histórias-partidas, peças desarticuladas como as que (em)prega o destino. Estranhamente, essa desarticulação é estrutural. Tudo aqui parece (de)composição. Como uma fuga.
Na falta de melhor nome o gênero disto se chama de conto. Mas de que conto se trata? Se todas as histórias se enovelam como se não pudessem estar separadas, como se encontrassem labirintos em tudo, não apenas nos cabelos do deserto e nas selvas selvagens ásperas e fortes das cebolas.
Babuska ou Matriuska assume, claro, aqui mais do que o literal das bonecas russas, alcança o literário, o simbólico, e o simbólico é, por todos os feitos, mais do que o eterno (ou fugaz) feminino. É a maternidade, a vida mesma, como disse o poeta, sem mistificação, a vida contendo a morte, como uma estranha matriuska, e uma coisa parece não oposta, mas contida na outra, não somente na narrativa que dá título ao livro, mas nas outras, como neste exemplo de “mastruz”:
“desígnios de deus, desígnios de deus... se não morri naquele dia e hora, minha mãe, não foi por obra e graça, mas muito mais por culpa do doutor. (...) quando o fraquejo vem, porque vem, minha mãe, porque a vontade de morrer”.
E no caso de diversas personagens, não é só a vontade de morrer, mas a consecução o que se performa. Nestas histórias tristes e violentas, há mais a introversão de suicídios e abortos que a extroversão de homicídios e infanticídios.
A morte é algo familiar neste livro [Matriuska ], seja como vontade no último texto referido, seja noutro que se explicita em expressões como esta: “eu tava parindo era a morte”, e é justo dessas tensões maternidade-morte que brotam as muitas ironias de que enchem estas histórias: “mãe entende de tudo, mas pra tudo não deu”. Há muitas iro¬nias verbais, e podem ser vigiadas já a partir dos títulos, mesmo nos inexatos, como aquele que se refere à menopausa e se define “pause”, quando o que se tem mesmo é o começo do fim.
Noutra, é o humor negro, amargo, que emoldura o desejo de uma personagem como nova Medéia: não de um dia como a amante de Jasão: “ela precisava de dois dias”.
Com sutis alegorias e associações de ideias, há menções veladas à mitologia, mas recriada de modo inteligente – como fez Joyce no Ulysses, cotidianizando, vulgarizando o que outrora teria sido solene. Assim é que “o crochê: tinha terminado” evoca, evidentemente, a última das três parcas. Há outros em que ironicamente se refere a uma “Nereida” e a uma “Diana”.
Além das referências pagãs, há também de sobra as cristãs (claras ou disfarçadas), como Ruth, Guadalupe, Ana, Maggie, Cristiane, Rutilene etc.
E há histórias em que o “acerto de contas” parece dar o tom. Em “feedback” pode-se evocar o Rulfo de “Você não escuta os cães latirem?”. Só que desta vez não é a recriminação pai-filho, e sim mulher-marido.
As mulheres, na verdade, dão o tom e são o tema de todas as histórias. Os seus nomes pseudossolenes aparecem quase displicentes: Marisa, Ana, Rutilene, Cristiane, Ruth, Cleonice, Jane, Guadalupe, Zulmira, Lucinha, Yoko, Rebeca, Martinha.
Matriuska batiza o livro. Mas a russa não é a única boneca que titula histórias, há também outra que se ba¬tizou de Barbie. A matriuska é rechonchuda e “real”. A Barbie é magra e “ideal”, um dos grandes ícones das curvas e linhas do feminino nesta parte do Ocidente e neste momento da história. Diferentemente da matriuska, que é feita de acrescentamento de outras bonecas, ou dela mesma em vários tamanhos, a Barbie apenas troca de roupa. Camadas e camadas de uma que se veste de si mesma; camadas e camadas de outra que multiplica a superfície. Uma mise-en-scène, outra mise-en-abyme. Uma será sempre filha, em seus teatros para fora; outra será sempre mãe, em suas quedas para dentro.
A Barbie acabou de completar 50 anos. Nesse mesmo ano de 1959, quando por assim dizer nascia a Barbie, saiu uma versão castelhana das Crônicas marcianas de Bradbury prefaciada por Jorge Luis Borges. No seu texto ele se remete a um leitura que fizera 50 anos: “com fascinada angústia, no crepúsculo de uma casa que já não existe, Os primeiros homens na lua, de Wells”. Mal sabia Borges que dez anos depois de 1959 se cumpriria não o sonho de Wells (de 1901), mas o de Verne, que é bem anterior (Da terra à lua, de 1865, e À volta da lua, que é de 1869). Mas no texto de Borges há outra menção temporal que vale a pena referir: “Bradbury escreve 2004 e sentimos a gravitação, a fadiga, a vasta e vaga acumulação do passado”.
Bradbury escreve para o futuro e Borges o lê assim. E agora – 2009 – o futuro já é passado? A resposta à per¬gunta é mais difícil do que parece, como aliás já notou há séculos Santo Agostinho, na passagem famosa das suas Confissões. A pergunta aqui é outra — não o que é o tempo?, mas o que é o tempo destas histórias de ficção. Em que tempo vivem as Marisas e Guadalupes destes contos. Como costuma acontecer quando se constroem bem as personagens — e aqui elas não são desenvolvidas de modo convencional porque apenas existem inseparáveis dos fatos, são mesmo escravas deles — ganham uma estranha vivência, uma inquietante familiaridade.
Essas bonecas não são de plástico. São matriuskas de carne, em carne(água)-viva, e se uma delas sabe “deixar o tempo correr”, não é propria¬mente de tempo que fala, mas do sangue. Boas histórias, mais do que as guerras, costumam promover bons derramamentos de sangue, e estas ainda vêm com o bônus da “fascinada angústia” ou da fascinação angustiada que parece ser a verdadeira casa de bonecas de todo bom narrador.
As frases-flecha de Sidney Rocha
por Gustavo Rios
para Verbo 21
Tem o papo meio batido de que Jorge Luís Borges supunha ser o livro tão somente uma repetição do possível. Ou seja, que tudo em literatura carecia de originalidade. Que os antecessores de qualquer escritor eram quem, no fim das contas, sopravam furtivamente frases ao pé de ouvido da sua vítima, desavisada e cheia de si, crendo estar criando algo novo.
Toda e qualquer obra deve ser considerada uma primazia. Ao menos para seu autor. Para mim, ser escritor é acreditar em si próprio. Reinventar a própria vida e carregar aquela arrogância típica de quem se acha Deus. É requisito básico para manter vivos os que escrevem. Aquelas pessoas metidas em noites sem fim, fumando seus cigarros ou não - para fugir do clichê barbado-fumante-tristonho-beberrão. Crédulas e donas de uma suposta estupidez necessária e vital.
E para tais figuras pouco importa se algum autor lhes sopra frases feitas no ouvido. Fazendo-o repetir algo que já foi, certamente, escrito. Pouco deve interessar se seus livros não funcionam. Ou se são umas belas merdas de capa dura: ainda assim, deve-se seguir em frente. Teimoso, arredio e burro. Mas dotado de alguma beleza que os diferencia dos demais.
Obviamente não defendo a tese de que todos são bons escritores. Estou falando de fé. Se ao menos a crença e uma deliberada cegueira não rolar no ato da escrita – aquele momento inspirado e meio louco; um ou dois palmos acima do chão -, melhor entregar os pontos, parceiro. Nada mais justo. Para todos.
Na verdade, suponho que o Borges queria dizer o quanto apreciamos uma gama de escritores que nos atormentar o juízo quando mais precisamos criar novos mundos sem interferências. E novas formas de dizer coisas que nos sufocam. Creio que o recado era simples: somos tributários de nossos autores, das nossas influências, da nossa estante. Ponto final. E isso para quem se propõe a resenhar uma obra é ótimo. Facilita entrar numas de traçar paralelos. Simplificar tudo fazendo comparações. Dando o caminho das pedras, que algumas vezes são pontudas e/ou escorregadias. E te levam para o breu.
Seguindo tais pedras corremos risco. E a vida ganha um brilho insuspeito.
Matriuska (Iluminuras, 2009, 95p.) me veio numa sexta onde eu, cansado e feliz, não esperava nada mais que o cair da tarde para umas cervejas e outras ondas à beira rio. Seria tudo simples, mas não menos gratificante. Ou seja, na busca de recuperar minhas derradeiras utopias – pois é isso que faço quando atravesso a BR e vou baixar em uma velha terra conhecida -, já sacava que os dias teriam aquela aura meio louca; aquele vagar e aquela mesma pegada.
Mas isso é outra história.
A primeira leitura foi rápida. Afinal estava com um livro curto, na quantidade de páginas. Supus não me demorar no entendimento. Logo entenderia os preceitos, veria finais relativamente óbvios e concordaria com o Borges, ainda que isso soe pretensioso pra caralho. Mas fui pego de supetão. E tive de repetir uma, duas, três vezes o mesmo ritual de esquecer todo o resto e deixar a cabeça viajar na estranheza dos textos.
Primeiro foram os títulos. Contos – se forem – chamados “sundown”, “zero-cal”, “carefree”, “barbie” e “déjà vu” merecem ou um desprezo certeiro, ou uma atenção preciosa. Conhecendo Sidney, optei pela segunda. Então acendi meus cigarros e silenciei por dentro. Porque o barulho viria. E era inevitável.
Um novo tipo de subversão – intencional ou não, that’s the question. O fio condutor, bastante arriscado como tema numa terra onde artistas supõem entender esse abismo de sorriso fácil e loucura entre os dentes: a mulher. Nada desse papo boçal de entender o sexo oposto. Sidney preferiu o sexo avesso, ao avesso. Seus personagens quando não gritam, reivindicam sua existência de forma sorrateira. Tornam-se inesquecíveis, vão para a cama com você, te propõem uma chupada a dez paus ou te pedem para contar sobre sua mais recente viagem, enquanto confessam: “Preciso sair daqui”.
Mandar a pontuação para a puta que pariu. Sacudir estereótipos e revigorar o absurdo na literatura, sem dar bola para escritores que sopram as mesmas e caquéticas frases feitas no ouvido. Disparar suas frases-flecha ao acaso, como quem mira no escuro, ou no copo colocado de sarro na cabeça da senhora Burroughs – e o velho Willian metido com a heroína de sempre e suas colagens cut up pretensamente vanguardistas, mas ininteligíveis e chatas, convenhamos. As histórias importam. Mas como elas surgem, esse tal zero absoluto tão raro, é o que me faz afirmar ser Matriuska um livro fabuloso.
E o que diferencia Sidney Rocha do resto é justamente isso: seu absurdo é musical, vivo, apesar do cortejo incessante da morte, outro tema presente e insinuado. Nada dessa onda de experimentar, meter palavras num liquidificador, sacudir e ponto final, para depois curtir o urinol do Duchamp cheio de pompa e com a cabeça saturada de merda. Sem essa de não ser compreendido e abrir o berreiro num boteco sujinho, cheio de auto-indulgência. Os contos do autor de Sofia, uma ventania para dentro (Ateliê Editorial, 2005, 208p.) nos pegam no contrapé, tornando crível – mas nem por isso sacal – todo um mundo que sai, sabe-se lá como, da cabeça desse escritor.
Uma poltrona de hotel que sonha (“egg”, página 81) e o conto chamado “nuvem” (página 45) me parecem excelentes exemplos. É o mesmo que dizer: senhores, a alma feminina está mais distante de nosso entendimento do que imaginamos; a morte, nem tanto. Eu, você e o Jorge Luís, amante dos livros, ainda que não os enxergasse, podemos estar errados, meu camarada.
Para mim, Rocha partiu do zero absoluto. Meteu-se confortavelmente no limbo das influências, dominador de suas capacidades literárias, para criar Matriuska. Um artesão, que concebe algo totalmente novo no território louco da criatividade. Dando um novo sentido ao impossível, partindo de um buraco negro, de um vazio de vozes. É como se ele tivesse esquecido tudo que leu. Ou tivesse tapado os ouvidos quando um ou outro escritor moribundo tentou lhe encher o saco. De fato, não consigo enxergar uma influência direta ou disfarçada. Nada de velho reside no livro - o velho não cabe ali.
Posso estar enganado. Afinal, como sempre digo, minha biblioteca é limitada. Ao limite de meu gosto. E do meu deleite, pessoal e intransferível. Mas não consegui perceber o que o argentino me disse um dia. Prefiro outro, que me falou categórico: “A tradição dessa política que pede o impossível é a única que pode nos justificar.” * E assim vou seguindo. Arriscando meu tempo com livros desse quilate. Ganhando território e ampliando as possibilidades. Só assim, meus chapas, a porra da vida vale a pena.
* a frase é do escritor Ricardo Piglia
Mais sobre o livro:
http://sequicosacro.blogspot.com/
http://www.youtube.com/watch?v=v-M5X8wSW2M
www.brasilnet.com.br/matriuska
SERVIÇO
Matriuska | Sidney Rocha Iluminuras
para Verbo 21
Tem o papo meio batido de que Jorge Luís Borges supunha ser o livro tão somente uma repetição do possível. Ou seja, que tudo em literatura carecia de originalidade. Que os antecessores de qualquer escritor eram quem, no fim das contas, sopravam furtivamente frases ao pé de ouvido da sua vítima, desavisada e cheia de si, crendo estar criando algo novo.
Toda e qualquer obra deve ser considerada uma primazia. Ao menos para seu autor. Para mim, ser escritor é acreditar em si próprio. Reinventar a própria vida e carregar aquela arrogância típica de quem se acha Deus. É requisito básico para manter vivos os que escrevem. Aquelas pessoas metidas em noites sem fim, fumando seus cigarros ou não - para fugir do clichê barbado-fumante-tristonho-beberrão. Crédulas e donas de uma suposta estupidez necessária e vital.
E para tais figuras pouco importa se algum autor lhes sopra frases feitas no ouvido. Fazendo-o repetir algo que já foi, certamente, escrito. Pouco deve interessar se seus livros não funcionam. Ou se são umas belas merdas de capa dura: ainda assim, deve-se seguir em frente. Teimoso, arredio e burro. Mas dotado de alguma beleza que os diferencia dos demais.
Obviamente não defendo a tese de que todos são bons escritores. Estou falando de fé. Se ao menos a crença e uma deliberada cegueira não rolar no ato da escrita – aquele momento inspirado e meio louco; um ou dois palmos acima do chão -, melhor entregar os pontos, parceiro. Nada mais justo. Para todos.
Na verdade, suponho que o Borges queria dizer o quanto apreciamos uma gama de escritores que nos atormentar o juízo quando mais precisamos criar novos mundos sem interferências. E novas formas de dizer coisas que nos sufocam. Creio que o recado era simples: somos tributários de nossos autores, das nossas influências, da nossa estante. Ponto final. E isso para quem se propõe a resenhar uma obra é ótimo. Facilita entrar numas de traçar paralelos. Simplificar tudo fazendo comparações. Dando o caminho das pedras, que algumas vezes são pontudas e/ou escorregadias. E te levam para o breu.
Seguindo tais pedras corremos risco. E a vida ganha um brilho insuspeito.
Matriuska (Iluminuras, 2009, 95p.) me veio numa sexta onde eu, cansado e feliz, não esperava nada mais que o cair da tarde para umas cervejas e outras ondas à beira rio. Seria tudo simples, mas não menos gratificante. Ou seja, na busca de recuperar minhas derradeiras utopias – pois é isso que faço quando atravesso a BR e vou baixar em uma velha terra conhecida -, já sacava que os dias teriam aquela aura meio louca; aquele vagar e aquela mesma pegada.
Mas isso é outra história.
A primeira leitura foi rápida. Afinal estava com um livro curto, na quantidade de páginas. Supus não me demorar no entendimento. Logo entenderia os preceitos, veria finais relativamente óbvios e concordaria com o Borges, ainda que isso soe pretensioso pra caralho. Mas fui pego de supetão. E tive de repetir uma, duas, três vezes o mesmo ritual de esquecer todo o resto e deixar a cabeça viajar na estranheza dos textos.
Primeiro foram os títulos. Contos – se forem – chamados “sundown”, “zero-cal”, “carefree”, “barbie” e “déjà vu” merecem ou um desprezo certeiro, ou uma atenção preciosa. Conhecendo Sidney, optei pela segunda. Então acendi meus cigarros e silenciei por dentro. Porque o barulho viria. E era inevitável.
Um novo tipo de subversão – intencional ou não, that’s the question. O fio condutor, bastante arriscado como tema numa terra onde artistas supõem entender esse abismo de sorriso fácil e loucura entre os dentes: a mulher. Nada desse papo boçal de entender o sexo oposto. Sidney preferiu o sexo avesso, ao avesso. Seus personagens quando não gritam, reivindicam sua existência de forma sorrateira. Tornam-se inesquecíveis, vão para a cama com você, te propõem uma chupada a dez paus ou te pedem para contar sobre sua mais recente viagem, enquanto confessam: “Preciso sair daqui”.
“ela virou o rosto. olhou um pouco para um vazio de séculos que mora dentro dela. não gozou. mas quando lambeu os lábios, deixou que a saliva inundasse a boca (...). ouvi um guincho de ar entrar pelo peito, um fumo, talvez outro espírito, que não o dela. (...)” (zero-cal, página 19)
“1. marisa não podia se guiar pela estrela do sol, porque cega e seca (...). pelo pára-brisa (num lugar donde até mesmo a brisa fugiu), a sua silhueta fumegava para nascer em halos do asfalto derretendo. (...)” (sundown, página 15)
Mandar a pontuação para a puta que pariu. Sacudir estereótipos e revigorar o absurdo na literatura, sem dar bola para escritores que sopram as mesmas e caquéticas frases feitas no ouvido. Disparar suas frases-flecha ao acaso, como quem mira no escuro, ou no copo colocado de sarro na cabeça da senhora Burroughs – e o velho Willian metido com a heroína de sempre e suas colagens cut up pretensamente vanguardistas, mas ininteligíveis e chatas, convenhamos. As histórias importam. Mas como elas surgem, esse tal zero absoluto tão raro, é o que me faz afirmar ser Matriuska um livro fabuloso.
E o que diferencia Sidney Rocha do resto é justamente isso: seu absurdo é musical, vivo, apesar do cortejo incessante da morte, outro tema presente e insinuado. Nada dessa onda de experimentar, meter palavras num liquidificador, sacudir e ponto final, para depois curtir o urinol do Duchamp cheio de pompa e com a cabeça saturada de merda. Sem essa de não ser compreendido e abrir o berreiro num boteco sujinho, cheio de auto-indulgência. Os contos do autor de Sofia, uma ventania para dentro (Ateliê Editorial, 2005, 208p.) nos pegam no contrapé, tornando crível – mas nem por isso sacal – todo um mundo que sai, sabe-se lá como, da cabeça desse escritor.
Uma poltrona de hotel que sonha (“egg”, página 81) e o conto chamado “nuvem” (página 45) me parecem excelentes exemplos. É o mesmo que dizer: senhores, a alma feminina está mais distante de nosso entendimento do que imaginamos; a morte, nem tanto. Eu, você e o Jorge Luís, amante dos livros, ainda que não os enxergasse, podemos estar errados, meu camarada.
Para mim, Rocha partiu do zero absoluto. Meteu-se confortavelmente no limbo das influências, dominador de suas capacidades literárias, para criar Matriuska. Um artesão, que concebe algo totalmente novo no território louco da criatividade. Dando um novo sentido ao impossível, partindo de um buraco negro, de um vazio de vozes. É como se ele tivesse esquecido tudo que leu. Ou tivesse tapado os ouvidos quando um ou outro escritor moribundo tentou lhe encher o saco. De fato, não consigo enxergar uma influência direta ou disfarçada. Nada de velho reside no livro - o velho não cabe ali.
Posso estar enganado. Afinal, como sempre digo, minha biblioteca é limitada. Ao limite de meu gosto. E do meu deleite, pessoal e intransferível. Mas não consegui perceber o que o argentino me disse um dia. Prefiro outro, que me falou categórico: “A tradição dessa política que pede o impossível é a única que pode nos justificar.” * E assim vou seguindo. Arriscando meu tempo com livros desse quilate. Ganhando território e ampliando as possibilidades. Só assim, meus chapas, a porra da vida vale a pena.
* a frase é do escritor Ricardo Piglia
Mais sobre o livro:
http://sequicosacro.blogspot.com/
http://www.youtube.com/watch?v=v-M5X8wSW2M
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