por Paula Dume,
para a Folha de S.Paulo
Mulheres dentro de mulheres tecidas por outras mulheres e descritas por um homem. O livro de contos "Matriuska" (Iluminuras, 2009), de Sidney Rocha, faz referência às bonecas russas no título e dá esse significado ao volume. São 18 contos sobre prostituição, miséria, aborto, ignorância e traição. A mulher é retratada de todos os modos, do violento ao exaltado, do arquétipo ao segmentado. A realidade brasileira, das violentas manchetes de jornal, está diluída na escrita de Rocha.
A estrutura dos contos — escritos em letras minúsculas — permite que o autor lhe conceda doses de romance. As microhistórias se entrelaçam, o amor se processa e a dureza da vida afunila os sentimentos e vivências das personagens para com os nossos dilemas mundanos. O escritor Marcelino Freire assina o prefácio "gravatas e borboletas". "Sidney tem o que eu aprecio em todo coração arredio: a pulsação. A verdade. O sentimento que está na linguagem. Nos sons que ele costura tão bem", disse.
No conto abaixo, extraído de "Matriuska", a ianomani Guadalupe é espancada e uma onça a salva. Começa a viver outra realidade, como Cleonice, mas há pegadas do animal dentro de si. De uma mulher que se renova e se torna outras, uma boneca dentro de bonecas, a protagonista despenca sob o mundo.