por Fillipe “Butcher” Jardim
Um homem de poucas posses raramente pode se dar ao luxo das compras ao bel prazer. Eu, liso de marca menor, que é mais barato, posso fazer essas coisas luxentas de vez em quando, a cada dez anos, com um peso filha da puta na consciência. E lá estava eu, no (argh) shopping (argh), numa, isso é verdade, (argh) livraria (argh), de bobeira, com uns trocados a mais. Até o Leite Derramado eu folheei, pela bonança dos deuses. E, confesso, senti vontade de comprar, mas esse desejo não resistiu aos volumes do Raymond Chandler que encontrei. A Simples Arte de Matar, volumes 1 e 2. L& PMpocket, caros, porém baratos, vai entender. Comprados, em processo de leitura.
Mas isso não importa.
O que importa na verdade é que, caçando outros livros ao léu, acho aquele livrinho todo cheio de frufrus que há um tempo danado eu queria ler: Matriuska, do Sidney Rocha. Graças a Motaro, 28 facadas reais no bolsinho, pelo menos um preço menor do que as 35 da época do lançamento. Cheguei em casa umas 5 horas da tarde, daria aula às 19:00. Taí o tempo que li o bicho todo. E é sobre ele esta lenga-lenga.
Primeira coisa a dizer: a capa, o design, toda a frescurada. O livro é lindo, puta merda, lindo mesmo. Foda isso. Um livro bonito tira a atenção, pelo menos a desse porco aqui, acostumado com os engordurados Mario Puzo de dois reais do sebo. Evoé. Mas, entre olhadas e outras nas capas, a molona e a dura, com o perdão da sacanagem, li o livro todo.
Segunda coisa a dizer: que porra foi aquilo?
Foram contos, isso eu sei. Mas é tudo tão curto, tão inusitado, que é quase inevitável não suspirar um “que viagem” de quando em vez.
Uma porrada de coisas a dizer:
A subversão do uso de letras maiúsculas, tanta gente usa isso na internet hoje em dia. Está nele. Acho isso um ponto positivo, mas eu me recuso a usar. Porque sou chato. Mas que é um grande recurso, isto é, mostra a atualidade da escrita do Sidney. Coloca a importância das coisas em seus devidos lugares.
A ligação entre um conto e outro, outro ponto. Acho massa, meu livreto em andamento tem isso.
A sordidez das estórias. Ah, seu monstro, Fillipe “Butcher” Jardim, como não gostar da temática?
É isso aí, um livro, na segurança da palavra, louco. E não há por que não escrever loucamente sobre ele.
Agora os contos em si. O melhor, ou pior, ou sei lá, é que todos seguem a linha joyceana (mai fresco) de fluxo de pensamento, o que confere dinamismo, mas é um tanto frustrante para um livro de menos de 100 páginas (não conto as pintadas de vermelho nem fodendo). Fica aquele gosto de, “acabou? Que pena…”
E isso é muito Dalton Trevisan, aí chegamos ao ponto.
O sexo, veja o conto “barbie”, veja o conto “mastruz”, veja o conto "onça". Estupro, aborto, abuso sexual, à Trevisan. As pausas à Trevisan, o ritmo, como narrativas curtíssimas, à Trevisan. Um livro todo trevisado.
As influências de Sidney Rocha, com a certeza de quem erra quase sempre, estão em Joyce, Trevisan, Fante e outros que não me arrisco em falar.
Fora a garotinha do boquete de "sundown" (almoçar a 10 conto?, putz); Camila foda-e-morte de "zero- cal" (“olhou um pouco para o vazio de séculos que mora dentro dela”, não esqueço mais isso); a puta-de-história-sofrida e sua bolsa de "matriuska", o conto que batiza o bicho; a curra de "clinch"; aquela coisa que passa de marido escroto pra mulher lascada de "feedback"; a menopausa de agora de "pause" (hehehe); Lucinha gordota leite de rosas pra grudar OB de Carefree; as tragédias familiares de "nuvem"; a reza profana de : (isso mesmo, o sinal é o título); a confusão de relacionamento de "déjà vu"; a estória mais engraçada do livro em "wwwoman", a mais fofota em "googlemap"; a surreal-real estória de um móvel em "egg"; e a sanguinolência de "flash". Ufa.
Sei lá, não dá pra explicar muito. Só lendo. É inusitado, original, ótimo. Não me espantarei se vir esse livro ganhando tudo o que é prêmio por aí. Lê-lo é uma experiência única.
Ainda bem que sim, não é todo dia que dou 28 paus em um livro.