domingo, 11 de outubro de 2009

Uma lida no Matriuska, do Sidney Rocha


por Fillipe “Butcher” Jardim
Um homem de poucas posses raramente pode se dar ao luxo das compras ao bel prazer. Eu, liso de marca menor, que é mais barato, posso fazer essas coisas luxentas de vez em quando, a cada dez anos, com um peso filha da puta na consciência. E lá estava eu, no (argh) shopping (argh), numa, isso é verdade, (argh) livraria (argh), de bobeira, com uns trocados a mais. Até o Leite Derramado eu folheei, pela bonança dos deuses. E, confesso, senti vontade de comprar, mas esse desejo não resistiu aos volumes do Raymond Chandler que encontrei. A Simples Arte de Matar, volumes 1 e 2. L& PMpocket, caros, porém baratos, vai entender. Comprados, em processo de leitura.
Mas isso não importa.
O que importa na verdade é que, caçando outros livros ao léu, acho aquele livrinho todo cheio de frufrus que há um tempo danado eu queria ler: Matriuska, do Sidney Rocha. Graças a Motaro, 28 facadas reais no bolsinho, pelo menos um preço menor do que as 35 da época do lançamento. Cheguei em casa umas 5 horas da tarde, daria aula às 19:00. Taí o tempo que li o bicho todo. E é sobre ele esta lenga-lenga.
Primeira coisa a dizer: a capa, o design, toda a frescurada. O livro é lindo, puta merda, lindo mesmo. Foda isso. Um livro bonito tira a atenção, pelo menos a desse porco aqui, acostumado com os engordurados Mario Puzo de dois reais do sebo. Evoé. Mas, entre olhadas e outras nas capas, a molona e a dura, com o perdão da sacanagem, li o livro todo.
Segunda coisa a dizer: que porra foi aquilo?
Foram contos, isso eu sei. Mas é tudo tão curto, tão inusitado, que é quase inevitável não suspirar um “que viagem” de quando em vez.
Uma porrada de coisas a dizer:
A subversão do uso de letras maiúsculas, tanta gente usa isso na internet hoje em dia. Está nele. Acho isso um ponto positivo, mas eu me recuso a usar.  Porque sou chato. Mas que é um grande recurso, isto é, mostra a atualidade da escrita do Sidney. Coloca a importância das coisas em seus devidos lugares.
A ligação entre um conto e outro, outro ponto. Acho massa, meu livreto em andamento tem isso.
A sordidez das estórias. Ah, seu monstro, Fillipe “Butcher” Jardim, como não gostar da temática?
É isso aí, um livro, na segurança da palavra, louco. E não há por que não escrever loucamente sobre ele.
Agora os contos em si. O melhor, ou pior, ou sei lá, é que todos seguem a linha joyceana (mai fresco) de fluxo de pensamento, o que confere dinamismo, mas é um tanto frustrante para um livro de menos de 100 páginas (não conto as pintadas de vermelho nem fodendo). Fica aquele gosto de, “acabou? Que pena…”
E isso é muito Dalton Trevisan, aí chegamos ao ponto.
O sexo, veja o conto “barbie”, veja o conto “mastruz”, veja o conto "onça". Estupro, aborto, abuso sexual, à Trevisan. As pausas à Trevisan, o ritmo, como narrativas curtíssimas, à Trevisan. Um livro todo trevisado.
As influências de Sidney Rocha, com a certeza de quem erra quase sempre,  estão em Joyce, Trevisan, Fante e outros que não me arrisco em falar.
Fora a garotinha do boquete de "sundown" (almoçar a 10 conto?, putz); Camila foda-e-morte de "zero- cal" (“olhou um pouco para o vazio de séculos que mora dentro dela”, não esqueço mais isso); a puta-de-história-sofrida e sua bolsa de "matriuska", o conto que batiza o bicho; a curra de "clinch"; aquela coisa que passa de marido escroto pra mulher lascada de "feedback"; a menopausa de agora de "pause" (hehehe); Lucinha gordota leite de rosas pra grudar OB de Carefree; as tragédias familiares de "nuvem"; a reza profana de : (isso mesmo, o sinal é o título); a confusão de relacionamento de "déjà vu"; a estória mais engraçada do livro em "wwwoman", a mais fofota em "googlemap"; a surreal-real estória de um móvel em "egg"; e a sanguinolência de "flash". Ufa.
Sei lá, não dá pra explicar muito. Só lendo. É inusitado, original, ótimo. Não me espantarei se vir esse livro ganhando tudo o que é prêmio por aí. Lê-lo é uma experiência única.
Ainda bem que sim, não é todo dia que dou 28 paus em um livro.