por Thiago Corrêa
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para o Diario de Pernambuco
Estampada quase todos os dias nas manchetes de jornais, a tragédia social do país também tem feito rodar as prensas do mercado editorial.Cenas de violência, descrições detalhadas de ambientes miseráveis e caracterizações de personagens sem perspectiva, enfrentando situações limite, são tão explícitas na literatura nacional quanto os problemas encontrados nas esquinas das nossas metrópoles. Um novo episódio desse enredo se inaugura com o livro de contos Matiuska, de Sidney Rocha, que sai em edição de capa dura pala Iluminuras e será lançado às 19h30 de hoje, na Livraria Cultura.
Embora não faça tanto alarde ou evidencie essa urgência pela denúncia social, o livro desperta uma sensação tão pertubadora quanto a leitura do conto Feliz ano novo,de Rubem Fonseca. Ao contrário de Fonseca, que entra de sola no rosto do leitor, Rocha prefere nos atormentar com um sussurro de velho no ouvido de uma criança.
A angústia desse escritor cearense – que hoje vive em Recife, São Paulo e Brasília – vai se revelando pouco a pouco, em pílulas, na medida em que os leitores vão descobrindo a pequenez do ser humano. Tudo acontece como numa brincadeira com as bonecas russas matriuskas. Somos envolvidos pela escrita engenhosa do autor enquanto vamos encontrando nossos semelhantes, cada vez menores, dentro das entranhas em forma de palavras.
Nos 18 contos de Matriuska, gestos de carinho se revelam lâminas, pó de vidro que engolimos e nos fazem sangrar por dentro. O dilaceramento vem disfarçado na forma da ingenuidade embutida na história de uma jovem do interior, em busca da família na cidade; no sonho de uma funcionária de hotel querendo conhecer o mundo; na devoção a Deus e nas lembranças de uma relação amorosa. É apenas um detalhe, causa, conseqüência, desfecho. O que mais vale na prosa de Rocha não é o que vai acontecer, mas como cada fato ocorre.
Matriuska é um livro de pequenos contos interligados pelo rebuscamento das raízes no mal da natureza humana. São histórias construídas como relatos despretenciosos, jogados como conversas de bar. Narrados em primeira pessoa, os contos ganham um tom confessional que permite a aproximação do leitor e resulta em grafismos para desvirtuar a linguagem. Nem o uso de termos da cultura de massa consegue pasteurizar a narrativa de Rocha, que se torna ainda mais deslocada quando anunciada por títulos como sundown, carefree e twitter.
O idioma também se transforma com o frescor da oralidade do autor, que lhe permite a junção de palavras como vocábulos e o descaso com as solenidades gramaticais, nas referências em maiúsculo a nome próprios e após pontos finais. Uma característica que nos faz lembrar Marcelino Freire, que assina o prefácio e também compactua com o interesse pela tragédia e com a lapidação de personagens brutos em rimas.
Entrevista // Sidney Rocha
"Sou o anônimo em que me tornei"
Você vê relação entre Matriuska e seu livro anterior, Sofia, uma ventania para dentro?
Não, eu costumo dizer que a busca do estilo é como ir atrás do sexo ideal. Você vai descobrindo coisas a partir da sua experiência como narrador. O grande estilo, para mim, é desenvolver o máximo possível da narrativa sem cair naquela coisa da banalidade. Isso é muito comum. Quando você pega as imitações, você nota o desleixo com a narrativa, denuncia a fragilidade. Minha preocupação era só com a narrativa, sem muita retórica, sem essa coisa gordurosa. E com o cuidado de não usar uma linguagem chula como nos blogs. Tudo na literatura já foi feito, não adianta a gente ficar inventando coisa. Me parece que a tentativa de encontrar uma forma é mais importante que ser reconhecido por um estilo.
No conto Googlemap você diz que encontrou a história de outro conto numa dada situação. Nos outros contos também existe essa relação com o real?
Tenho pouca preocupação com a realidade, acho que a ficção não tem que estar presa aosmeandros do mundo real. Mas é bom que haja a verossimilhança. Sou muito mais apegado à possibilidade que à realidade. Acho que é muito biográfico quando a gente inventa porque é aí que você se biografa. Situações como as do livros que não aconteceram poderiam acontecer. É legal deixar os contos em aberto, porque você deixa isso para ser construído na cabeça do leitor. Esses contos se enfileram de uma forma que pudem ser romanceados, fáceis de engolir. Não pelos assuntos. Mas o vômito também é uma forma de expressão.
Você disse que não gosta de blogs, mas seus textos são cheios de termos como twitter, sundown, carefree, googlemap...
Eu também não gosto de estupro (risos). Minha preocupação é com a linguagem e gosto que se dê nome aos bois. Eu não posso estar registrando como litratura aquilo se estabelece nos blogs. Se Julio Cortazar faz literatura, não posso chamar o que se faz nos blogs a mesma coisa. Não posso enfeitar a pílula para criar uma falsa ideia de literatura, isso me incomoda. Falo de twitter, googlemap como uma forma de falar sobre isso, mas elegantemente. Minha tentativa é de que tudo soe naturalmente. Eu, para falar sobre um prisioneiro, não preciso usar a linguagem do prisioneiro, as pessoas começar a engolir esse papo de Cidade de Deus. Isso virou chavão, virou fórmula. E quando isso acontece fica fácil.
Você percebe semelhanças com a obra de Marcelino Freire?
Marcelino tem a visão dele, minha literatura se alimenta de outras coisas. Acho mais próxima da de (Raimundo) Carrero, por conta da dor das personagens. Mas talvez uma coisa ligue esses três profissionais, o que parece ser o grande exotismo da nossa literatura, em São Paulo ou em Nova York. E o que liga a gente é a oralidade, nascemos no Sertão, onde a comunidade narrativa existe de verdade, onde a oralidade é referência da nossa cultura. Ronaldo Correia de Brito é um reflexo disso. A linguagem quase medieval numa tentativa de se estabelecer com o mundo. Não me considero um cidadão de onde nasci, sou o anônimo em que me tornei. Mas quando era mais jovem, eu escrevia minha literatura e tinha que defender na feira. Então a forma como eu falo é parecida com minha escrita, porque falo bem, tento estabelecer uma composição no discurso que funcione e possa vender algo, seja mentira ou verdade.
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