Contos de Matriuska, de Sidney Rocha, mostram mulheres em situações extremas
por Francisco Quinteiro Pires
Para O Estado de S.Paulo
Para entender as mulheres de Matriuska há que pensar na morte e no amor. "Pois a morte ensina", diz o escritor pernambucano Sidney Rocha. "Se o universo de Matriuska fosse uma peça de teatro, seria a morte o contrarregra." Novo livro de contos de Sidney, Matriuska (Iluminuras, 96 págs., R$ 35) apresenta diferentes mulheres e seus fins diversos, por meio de uma narrativa feita de camadas que se desvendam como se o leitor retirasse as cascas de uma cebola. Para Sidney, "a forma como se morre define a vida de uma pessoa". Em Matriuska, os personagens só existem associados aos fatos de que são protagonistas ou, melhor dizendo, de que são vítimas. Os acontecimentos não se deixam revelar por inteiro: algumas brechas de luz iluminam a treva, da qual saem vivências dolorosas e extremas, como o aborto, o estupro e a pedofilia. "O horror não está nas situações, mas em como elas se banalizaram", diz. "As pessoas almoçam e jantam histórias como aquelas assistindo à televisão todos os dias, e o fazem normalmente, quase sem piscar, e isso define o nosso tempo." Segundo Rocha, todas as letras dos contos estão em minúscula "para que os leitores prestem mais atenção no que leem, no que veem." À semelhança das matriuskas, bonecas russas que escondem dentro si outras bonecas menores, a narrativa do livro de Rocha, de 43 anos, mostra nos diferentes contos situações que dialogam entre si: a leitura se torna um jogo de esconde-esconde. "Antes escrevia em busca de um estilo. Hoje só me interessa a narrativa, o miolo do que faz as coisas girarem." O ficcionista teve o cuidado de investigar onde as palavras enfraqueciam as imagens. Neste livro, sacrificou o mais que pôde a retórica e o exibicionismo do escritor para entregar-se às exigências da narração. A maioria dos títulos dos 18 contos emprega palavras inglesas ou nomes de produtos. "São referências ao universo do consumo feminino: tem a ver com esses milhões de dólares do mundo cosmético", diz. "É uma ironia com a segurança que o consumismo vende, que compramos e nunca recebemos." "Vejamos quem protege a pele de quem num dos contos." Sidney Rocha se refere a Sundown, narrativa intitulada com o nome de famoso bloqueador solar. Em vez de fonte de vida e iluminação, o sol cega e seca Marisa, revelando-se a fragilidade desta personagem. "Outro produto é um brinquedo, ele fascina o mundo das menininhas com fantasia e asseio. Pois bem: veja só o que acontece no conto." Rocha fala de Barbie, que empresta o nome de famosa boneca, inventada há 50 anos. Conta a história de Zulmira,menina de 10 anos que engravida do pai. Matriuska faz referências evidentes às mitologias grega e cristã, sobretudo no nome dos personagens. "Tudo em literatura é caso pensado: peguei carona em uma das fórmulas de James Joyce, na qual a mitologia e a banalidade têm a mesma grandeza." Também há alusões às mitologias nórdica e africana, mas o leitmotiv é a mulher. Apesar do medo e da violência, segundo Rocha, o que as mulheres querem é descobrir o prazer, mesmo havendo dor. "Estranhamente, dentro de Matriuska, as pessoas veem, de verdade, uma história de amor." Verá assim o leitor que souber, com lágrimas no rosto, descascar a cebola até o fim.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090915/not_imp434908,0.php
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
Contos revelam situações extremas envolvendo mulheres
Paula Dume
colaboração para a Livraria da Folha
"Matriuska" (Iluminuras, 2009), de Sidney Rocha, reúne 18 contos, um por dentro do outro. A referência às bonecas russas no título dá esse significado ao volume. Do amor violento à pedofilia, Rocha escreve sobre as mulheres e sobre o arquétipo feminino ligado à realidade brasileira. Estupro, violência e pedofilia estão calcados em uma história de amor profundo.
"É um livro de contos que se transforma em um romance ao final, porque essa estrutura é de amor. Em cada conto, há uma história de amor se processando. Os temas são realmente muito duros, mas não são temas que as pessoas estejam absolutamente desacostumadas, porque os encontraremos sempre nas notícias de jornal", disse o autor, em entrevista à Livraria da Folha.
Na Festa Literária do Recife (FreePorto), o lançamento do volume foi literal. "Literal no sentido da palavra", explica Rocha. Havia uma competição de escritores para arremessarem seus livros na rua. O escritor lançava literalmente seu próprio livro. Rocha arremessou "Matriuska" a 10m89cm e conquistou o primeiro lugar. "O mercado editorial vai pensar na aerodinâmica", brinca.
Escrito com letras minúsculas, o volume apresenta 18 contos sobre prostituição, miséria, aborto, ignorância e traição. Em todos eles há sempre uma mulher, protagonista ou vítima. Mulher e vida se diluem em esperanças liquidadas, com seus desejos e dores.
Participando pela primeira vez da Balada Literária de São Paulo, Rocha destacou que recebeu "alguns presentes", como a comoção silenciosa do mineiro Francisco Alvim ao falar de seus poetas preferidos, como Charles Baudelaire, e o silêncio que conseguiu promover na Biblioteca Alceu Amoroso Lima, no último sábado (21). Outra passagem marcante foi com João Gilberto Noll no domingo (22), "falando que sua literatura estava presa à poesia. Vi o olho do Alvim brilhar de novo e toda uma geração de literatura se encontrar naqueles olhares", destacou.
Além de escritor, Rocha edita para o Ministério da Educação (MEC) uma coleção sobre 60 educadores nacionais e internacionais, chamada "Educadores", com apoio da Unesco.
colaboração para a Livraria da Folha
"Matriuska" (Iluminuras, 2009), de Sidney Rocha, reúne 18 contos, um por dentro do outro. A referência às bonecas russas no título dá esse significado ao volume. Do amor violento à pedofilia, Rocha escreve sobre as mulheres e sobre o arquétipo feminino ligado à realidade brasileira. Estupro, violência e pedofilia estão calcados em uma história de amor profundo.
"É um livro de contos que se transforma em um romance ao final, porque essa estrutura é de amor. Em cada conto, há uma história de amor se processando. Os temas são realmente muito duros, mas não são temas que as pessoas estejam absolutamente desacostumadas, porque os encontraremos sempre nas notícias de jornal", disse o autor, em entrevista à Livraria da Folha.
Na Festa Literária do Recife (FreePorto), o lançamento do volume foi literal. "Literal no sentido da palavra", explica Rocha. Havia uma competição de escritores para arremessarem seus livros na rua. O escritor lançava literalmente seu próprio livro. Rocha arremessou "Matriuska" a 10m89cm e conquistou o primeiro lugar. "O mercado editorial vai pensar na aerodinâmica", brinca.
Escrito com letras minúsculas, o volume apresenta 18 contos sobre prostituição, miséria, aborto, ignorância e traição. Em todos eles há sempre uma mulher, protagonista ou vítima. Mulher e vida se diluem em esperanças liquidadas, com seus desejos e dores.
Participando pela primeira vez da Balada Literária de São Paulo, Rocha destacou que recebeu "alguns presentes", como a comoção silenciosa do mineiro Francisco Alvim ao falar de seus poetas preferidos, como Charles Baudelaire, e o silêncio que conseguiu promover na Biblioteca Alceu Amoroso Lima, no último sábado (21). Outra passagem marcante foi com João Gilberto Noll no domingo (22), "falando que sua literatura estava presa à poesia. Vi o olho do Alvim brilhar de novo e toda uma geração de literatura se encontrar naqueles olhares", destacou.
Além de escritor, Rocha edita para o Ministério da Educação (MEC) uma coleção sobre 60 educadores nacionais e internacionais, chamada "Educadores", com apoio da Unesco.
Matriuska de Sidney Rocha ou ainda: Lupeu não sabe escrever resenhas
Lupeu Lacerda
para o Séquiço Sacro
Vamos ao que interessa: você bem que gosta de uma boneca, eu sei, é verdade. Na boa porra! Sem mentiras! Você bem que viaja na maionese quando vê uma inflável simpática. Pois muito bem, é de bonecas que estou falando sim. Das bonecas escrotinhas de Sidney Rocha, também chamadas de “matriuskas”. Sabe o que é uma matriuska? Sabe não? São aquelas bonecas russas que enfeitavam as estantes das menininhas comunistas que comiam criancinhas. As de Sydney Rocha também comem. De tudo um pouco. Marisa, a primeira, faz um boquete por dez conto. Mas você tem que entender que o sol é foda, e que cega e seca: quem vê e quem lê. Sidney tem o encantamento do estranhamento. De uma leitura que incomoda, porque real, porque parece que eu vi, porque parece que foi comigo, porque parece que a Marisa do conto ta vindo ali, de lá, de sei lá onde, com medo do sol. Que porra de literatura é essa, de Sidney Rocha, que me faz querer interferir no que leio? Fico assim: indignadoencantado. Mas no fundo eu sei, ele faz isso de propósito. A segunda boneca tem um nome que pode ser separado. Cam. Mila. Duas. Dois espíritos. Corpo nenhum. Coisa bonita de dentes brancos sem gozar. Soprando. Como um poema. Que é o que se flagra nessa porra que ele chama de conto. Conto um caralho. Deve ser um prosoema. Um contoema. Um milaema. Um dilema que Sidney coloca assim, na mesa, pra você, desavisado, pegar ligeiro e comer quente. Doeu? Leia de novo, espere esfriar. A matriuska que dá nome ao livro não tem nome. Por isso a nomeio: “semnome”, mas ela tem uma bolsa. Dessas bolsas, que mesmo pequenas, carregam a vida de uma mulher. E delimita o seu personagem. Todo escritor é escroto. Sidney não foge a regra, antes a corrobora. Ele é o lexotan que a matriuska jura que não toma. Depois ele vem assim, com outra boneca de fala arrevezada e nordestina. E severinamente diz que pariu a morte. É forte. E deus não tem nada a ver com isso. Pode até apostar. Mastruz sim. Com veneno. E sem água. Pra dar sede. E nada vem de graça, e logo surge um camburão pegando a zinha, matriuska também, que descobre os poderes de trepar apanhando. Dói. Dá nojo. Dá raiva dos filhos da puta. Mas é como te disse antes: o cara que escreve quer mesmo é isso – assuma ou não – que quem lê se incomode quando lê. Que levante a bunda da cadeira e saia pra fumar um cigarro. E ficar na dúvida se leu ou se viu na televisão. Se leu ou foi que contaram de manhã, no balcão de um barzinho suburbano. Foi? Estupraram? Comeram? Foi bom? Puta que pariu! E do Nestor, você soube? Como assim, qual Nestor? Nestor porra! O comedor. Que um dia, teve que escutar o que queria e o que não queria. Mas, de certa forma, se vingou da matriuska: ela nunca vai saber até que parte ele ouviu. Daí, pause, que ela entrou na meno pause. E eu, que não sabia picas de como era entrar em pause, agora sei. Que Sidney disse. É soprar pra dentro. É virar fumaça. Sem virar. Dá pra recitar. Em oito vozes dissonantes. Poema pop pause em dó nenhum. E Manassés tem mais é que escutar uma mentira ou duas. Quem é Manasses? Leia. Senão, fodeu. Que mais eu não conto. Depois da pause, passe no supermercado e compre um absorvente para a próxima leitura. Nada disso de comprar qualquer absorvente meu camarada, ou minha camarada. Compre um carefree para sua matriuska que gosta de números e referências. De quem ele ta falando finalmente? Da minha irmã? Da irmã dele? Da puta esquisitinha que mora no oitavo andar? Sidney é foda. É um dissecador. Um desses caras que nasceram com facas de açougueiro em lugar de dedos. Mas isso é bom porra. Traz sangue pra escrita. Sangue de mênstruo. Por isso de vida. Por isso de ler. Por isso de pegar o livro como se coisa fosse. Coisa que se mexe na mão. Como um desses pivetes recém nascidos. Que a gente quer largar no chão. Pra passar a aflição sabe? Sabe é nada. Se soubesse, saberia de esther, de nome bíblico, de dores indizíveis, e que sabe deus com que trepadas esotéricas, conseguiu parir monstros com nome e sobrenome. Saberia também, caso soubesse, dos mistérios que é morrer de causa gafanhão. Falando nisso de morte, uma das matriuskas de Sidney tem acesso direito a deus. E pede dias de saldo pra resolver pequenas coisinhas. Miudezas que cada um, se soubesse direito o que tava fazendo iria logo resolvendo. Até porque as vezes, deus ta de mau humor é pode romper o trato. Pode em vez de dar mais um dia, ou dois, ou dez, te tirar uns quinze. Por ócio talvez, por tédio quem sabe. Então, se é o caso, comece agora a ler o livro. A pagar a conta. A devolver a parada que você pediu emprestado. Quem sabe deus não ta contigo na mira? De bonecas barbie é difícil falar. Dá uma coisa na garganta. Um nó. É meio sade. Com delicadeza. É meio nelson rodrigues, pela cara de notícias populares. É todo Sidney. Assombrando os pensamentos de pais zelosos. De filhas gostosinhas. De bonequinhas cheias de pecado. De pais que queimarão para todo o sempre no inferno de sonhos que não precisam acordar. Odeio Sidney. Odeio principalmente porque não conheço jane. Porque não a vi dançando no poste do motel. Porque não pude me apresentar a ela: prazer querida, meu nome é tarzan. Agora, de uma coisa qualquer um que leia o livro de Sidney não vai poder escapar: da página 63. da página 63. 63. 63. ele saiu? Ele? Saiu? E no tempo da onça? Guadalupe fazia poeira e filhos que não ensinavam ela a ler a desgraça das placas. Gosto de guadalupe. Bateria em guadalupe. Comeria guadalupe. Mas, se sobrasse tempo, ensinaria ela a ler. Guadalupe, lendo, leria wwwoman. Fumaria um baseado feito de aspargos coloridos para entender a ficção. Pra poder entender a tristeza de diana. Fiquei pensando: seria palmer o sobrenome de diana? Seria a deusa? Uma vagaba drogada. Diana. Simplesmente. Até porque a história dela não é simples. Há que se prestar atenção aos pontos. As vírgulas. A geografia. A diana. Linda. Linda e filha da puta. Tão filha da puta quanto a matriuska cristiane. Que queria o mar de cada viagem. Que queria o mar de cada viajante. Que engolia cada viagem de cada viajante procurando o sal dos que viajam. Dos que vão. Dos que lêem pelos olhos de Sidney. Daí, pelos olhos de Sidney, vi uma poltrona feminina. Sangrando. Puta da vida. Daí, que pelos olhos de Sidney, me assustei olhando os móveis de minha casa. Os femininos. Cadeiras. Geladeira. Canetas. Será que? Será? Mas não. Os anjos não permitiriam. No fim do livro, começo de tudo, Sidney conta os passos pra matar alguém. E enche de letras uma página que é rua. E enche de letras um semáforo. E enche de vida uma são paulo que pode ser crato. Jerusalém. Juazeiro da bahia. Lá vem a mulher, com uma faca viva na bolsa. Valha-me deus. Escuto a buzina do carro. O beijo. Em preto e branco. De uma foto da guerra. O sangue do vampiro. Em preto e branco. Sydney rocha. Em preto e branco. Preto no branco. Dançando uma ciranda profana com suas matriuskas nuas. Cada uma contando sua história ao mesmo tempo. Como se possível fosse. Possível. É possível. Leia se for capaz.
para o Séquiço Sacro
Vamos ao que interessa: você bem que gosta de uma boneca, eu sei, é verdade. Na boa porra! Sem mentiras! Você bem que viaja na maionese quando vê uma inflável simpática. Pois muito bem, é de bonecas que estou falando sim. Das bonecas escrotinhas de Sidney Rocha, também chamadas de “matriuskas”. Sabe o que é uma matriuska? Sabe não? São aquelas bonecas russas que enfeitavam as estantes das menininhas comunistas que comiam criancinhas. As de Sydney Rocha também comem. De tudo um pouco. Marisa, a primeira, faz um boquete por dez conto. Mas você tem que entender que o sol é foda, e que cega e seca: quem vê e quem lê. Sidney tem o encantamento do estranhamento. De uma leitura que incomoda, porque real, porque parece que eu vi, porque parece que foi comigo, porque parece que a Marisa do conto ta vindo ali, de lá, de sei lá onde, com medo do sol. Que porra de literatura é essa, de Sidney Rocha, que me faz querer interferir no que leio? Fico assim: indignadoencantado. Mas no fundo eu sei, ele faz isso de propósito. A segunda boneca tem um nome que pode ser separado. Cam. Mila. Duas. Dois espíritos. Corpo nenhum. Coisa bonita de dentes brancos sem gozar. Soprando. Como um poema. Que é o que se flagra nessa porra que ele chama de conto. Conto um caralho. Deve ser um prosoema. Um contoema. Um milaema. Um dilema que Sidney coloca assim, na mesa, pra você, desavisado, pegar ligeiro e comer quente. Doeu? Leia de novo, espere esfriar. A matriuska que dá nome ao livro não tem nome. Por isso a nomeio: “semnome”, mas ela tem uma bolsa. Dessas bolsas, que mesmo pequenas, carregam a vida de uma mulher. E delimita o seu personagem. Todo escritor é escroto. Sidney não foge a regra, antes a corrobora. Ele é o lexotan que a matriuska jura que não toma. Depois ele vem assim, com outra boneca de fala arrevezada e nordestina. E severinamente diz que pariu a morte. É forte. E deus não tem nada a ver com isso. Pode até apostar. Mastruz sim. Com veneno. E sem água. Pra dar sede. E nada vem de graça, e logo surge um camburão pegando a zinha, matriuska também, que descobre os poderes de trepar apanhando. Dói. Dá nojo. Dá raiva dos filhos da puta. Mas é como te disse antes: o cara que escreve quer mesmo é isso – assuma ou não – que quem lê se incomode quando lê. Que levante a bunda da cadeira e saia pra fumar um cigarro. E ficar na dúvida se leu ou se viu na televisão. Se leu ou foi que contaram de manhã, no balcão de um barzinho suburbano. Foi? Estupraram? Comeram? Foi bom? Puta que pariu! E do Nestor, você soube? Como assim, qual Nestor? Nestor porra! O comedor. Que um dia, teve que escutar o que queria e o que não queria. Mas, de certa forma, se vingou da matriuska: ela nunca vai saber até que parte ele ouviu. Daí, pause, que ela entrou na meno pause. E eu, que não sabia picas de como era entrar em pause, agora sei. Que Sidney disse. É soprar pra dentro. É virar fumaça. Sem virar. Dá pra recitar. Em oito vozes dissonantes. Poema pop pause em dó nenhum. E Manassés tem mais é que escutar uma mentira ou duas. Quem é Manasses? Leia. Senão, fodeu. Que mais eu não conto. Depois da pause, passe no supermercado e compre um absorvente para a próxima leitura. Nada disso de comprar qualquer absorvente meu camarada, ou minha camarada. Compre um carefree para sua matriuska que gosta de números e referências. De quem ele ta falando finalmente? Da minha irmã? Da irmã dele? Da puta esquisitinha que mora no oitavo andar? Sidney é foda. É um dissecador. Um desses caras que nasceram com facas de açougueiro em lugar de dedos. Mas isso é bom porra. Traz sangue pra escrita. Sangue de mênstruo. Por isso de vida. Por isso de ler. Por isso de pegar o livro como se coisa fosse. Coisa que se mexe na mão. Como um desses pivetes recém nascidos. Que a gente quer largar no chão. Pra passar a aflição sabe? Sabe é nada. Se soubesse, saberia de esther, de nome bíblico, de dores indizíveis, e que sabe deus com que trepadas esotéricas, conseguiu parir monstros com nome e sobrenome. Saberia também, caso soubesse, dos mistérios que é morrer de causa gafanhão. Falando nisso de morte, uma das matriuskas de Sidney tem acesso direito a deus. E pede dias de saldo pra resolver pequenas coisinhas. Miudezas que cada um, se soubesse direito o que tava fazendo iria logo resolvendo. Até porque as vezes, deus ta de mau humor é pode romper o trato. Pode em vez de dar mais um dia, ou dois, ou dez, te tirar uns quinze. Por ócio talvez, por tédio quem sabe. Então, se é o caso, comece agora a ler o livro. A pagar a conta. A devolver a parada que você pediu emprestado. Quem sabe deus não ta contigo na mira? De bonecas barbie é difícil falar. Dá uma coisa na garganta. Um nó. É meio sade. Com delicadeza. É meio nelson rodrigues, pela cara de notícias populares. É todo Sidney. Assombrando os pensamentos de pais zelosos. De filhas gostosinhas. De bonequinhas cheias de pecado. De pais que queimarão para todo o sempre no inferno de sonhos que não precisam acordar. Odeio Sidney. Odeio principalmente porque não conheço jane. Porque não a vi dançando no poste do motel. Porque não pude me apresentar a ela: prazer querida, meu nome é tarzan. Agora, de uma coisa qualquer um que leia o livro de Sidney não vai poder escapar: da página 63. da página 63. 63. 63. ele saiu? Ele? Saiu? E no tempo da onça? Guadalupe fazia poeira e filhos que não ensinavam ela a ler a desgraça das placas. Gosto de guadalupe. Bateria em guadalupe. Comeria guadalupe. Mas, se sobrasse tempo, ensinaria ela a ler. Guadalupe, lendo, leria wwwoman. Fumaria um baseado feito de aspargos coloridos para entender a ficção. Pra poder entender a tristeza de diana. Fiquei pensando: seria palmer o sobrenome de diana? Seria a deusa? Uma vagaba drogada. Diana. Simplesmente. Até porque a história dela não é simples. Há que se prestar atenção aos pontos. As vírgulas. A geografia. A diana. Linda. Linda e filha da puta. Tão filha da puta quanto a matriuska cristiane. Que queria o mar de cada viagem. Que queria o mar de cada viajante. Que engolia cada viagem de cada viajante procurando o sal dos que viajam. Dos que vão. Dos que lêem pelos olhos de Sidney. Daí, pelos olhos de Sidney, vi uma poltrona feminina. Sangrando. Puta da vida. Daí, que pelos olhos de Sidney, me assustei olhando os móveis de minha casa. Os femininos. Cadeiras. Geladeira. Canetas. Será que? Será? Mas não. Os anjos não permitiriam. No fim do livro, começo de tudo, Sidney conta os passos pra matar alguém. E enche de letras uma página que é rua. E enche de letras um semáforo. E enche de vida uma são paulo que pode ser crato. Jerusalém. Juazeiro da bahia. Lá vem a mulher, com uma faca viva na bolsa. Valha-me deus. Escuto a buzina do carro. O beijo. Em preto e branco. De uma foto da guerra. O sangue do vampiro. Em preto e branco. Sydney rocha. Em preto e branco. Preto no branco. Dançando uma ciranda profana com suas matriuskas nuas. Cada uma contando sua história ao mesmo tempo. Como se possível fosse. Possível. É possível. Leia se for capaz.
Dores e risos
Por Maurício Melo Júnior
Jornal Rascunho
A metáfora da matriuska, a boneca russa que se renova insistentemente, é aquele tipo de mito que pode abrigar todas as possibilidades. O escritor Sidney Rocha a toma agora para falar de uma realidade onde as relações entre homens e mulheres se dão no instante em que o amor foi embora e restaram somente as feridas. E neste campo de batalha quem manda é a insensatez, o desvario. Daí a intensa oralidade dos textos.
Inicialmente, é interessante falar de um pecadilho que tem se tornado recorrente em nossa literatura e que atinge Matriuska, o livro onde Sidney Rocha retoma a larga metáfora russa, a inconseqüente mania de se buscar a agressão gramatical como acesso à vanguarda. Mais uma vez é preciso buscar apoio em Osman Lins. O escritor pernambucano ensinava da necessidade de se conhecer profundamente a gramática até para desrespeitá-la. De maneira mais risível, Luis Fernando Verissimo se define como um gigolô das palavras, que até bate nelas para que saibam quem de fato manda no texto.
Sidney renuncia a algumas maiúsculas como forma, ao que parece, de dar à narrativa um ritmo mais próximo da oralidade. Vejamos. "detestaria humilhá-lo, mas ‘O apartamento é meu, aqui pago tudo'. tirou o livro da bolsa e leu na página 63: talvez ainda estivesse lá, então continuou rodando." O trecho aponta para aquela intenção, no entanto os pontos, as aspas e outros tantos sinais mantêm a função de trazer a prosa para o ritmo comum das leituras e, aí, o esforço resulta em vazio. Talvez a solução estivesse numa maneira mais ortodoxa de escrita, no uso insistente da vírgula, como faz José Saramago.
O conto que dá título ao livro, Matriuska, se faz um bom exemplo de como o uso da vírgula favorece o ritmo da narrativa.
E por aí segue na construção de uma narrativa segura, ritmada, precisa em sua configuração psicológica.
Sem borboletas
Passado o incômodo, a maçada da vanguarda desnecessária, fica um livro de qualidades narrativas indiscutíveis, um livro que traz em si uma linguagem crua, cortante, precisa. Ou, como escreve Marcelino Freire na apresentação, "o pior sujeito é aquele que se acha. Facilmente. Aquele que coloca borboleta na gravata para escrever. E não voa. Não sai da mesmice. Eta porra!" Despido de borboletas e firulas, Sidney Rocha vai direto ao ponto, encurrala seus personagens em situações de dor e sofrimento, mas que são vivenciadas em cada esquina, no corre mesmo das horas. E foge da mesmice ao se projetar somente como narrador, fugindo de lições e conclusões mais sociológicas que literárias.
Para isso, sua preocupação básica é mesmo com os personagens, promovendo por todos os contos uma plena ausência de paisagem. Algumas cidades chegam a ser nomeadas, alguns rios, outros tantos mares, mas tudo de passagem, sem qualquer necessidade maior para o texto senão a configuração de um lugar. São espaços somente, microcosmos por onde transitam os personagens. O mecanismo impregna os contos de certa dose de universalidade. Embora sejam espaços brasileiros, o país se mostra como reflexo do mundo todo.
O fundamental é colocar os personagens em situações de tragédia, de fortes dores. E como o riso é parente da dor, constantemente as situações tornam-se risíveis. Com razão o crítico Mário Hélio fala de ironia e humor negro. "Há muitas ironias verbais, e podem ser vigiadas já a partir dos títulos, mesmo nos inexatos, como aquele que se refere à menopausa e se define ‘pause', quando o que se tem mesmo é o começo do fim. Noutra, é o humor negro, amargo, que emoldura o desejo de uma personagem como nova Medéia: não de um dia como a amante de Jasão: ela precisa de dois dias'."
Com relação aos títulos lembrados por Mário Hélio, eles vêm carregados de ironia por se contraporem ao contexto geral do conto. Os termos são modernos, mas as situações que nomeiam são arcaicas, velhas, antiquadas. Situações onde prevalecem o desprezo, o ciúme, o medo, a morte, e mais um tanto de sentimentos e acontecimentos dignos de antigos boleros. Contradições entre ontem e hoje.
A curiosidade aponta para o fato de os contos serem, em sua grande maioria, dedicados à condição do amor. Longe do amor bandido, mesmo assim aqui o amor é cruel, vive de desprezos e fatalidades, como ensina a protagonista do conto Feedback, a desesperada amante de Nestor. "mas vim pra ouvir o seu lamento outra vez, e dizer de novo que o amei como a macho nenhum nesta vida, é verdade, mas o amor tem um ranço no final, que não larga mais a gente e a gente vira limão quase, seca e bota amargor em tudo, que mulher é assim."
Neste aspecto, a dualidade entre amores e crueldades, Sidney se filia ao universo de Dalton Trevisan. Usa constantemente o diminutivo para designar pessoas e fatos, como o velho vampiro, aumentando com maestria a ironia emplastrada no absurdo dos fatos que conta.
Matriuska é um livro que renova pela linguagem, pelo ritmo preciso, pela forma que é oral, mas nunca banal, por saber trabalhar o contraditório que é a própria existência.
o autor
SIDNEY ROCHA, 43 anos, é autor de Sofia, uma ventania para dentro . Atualmente, vive entre Recife, São Paulo e Brasília.
Jornal Rascunho
A metáfora da matriuska, a boneca russa que se renova insistentemente, é aquele tipo de mito que pode abrigar todas as possibilidades. O escritor Sidney Rocha a toma agora para falar de uma realidade onde as relações entre homens e mulheres se dão no instante em que o amor foi embora e restaram somente as feridas. E neste campo de batalha quem manda é a insensatez, o desvario. Daí a intensa oralidade dos textos.
Inicialmente, é interessante falar de um pecadilho que tem se tornado recorrente em nossa literatura e que atinge Matriuska, o livro onde Sidney Rocha retoma a larga metáfora russa, a inconseqüente mania de se buscar a agressão gramatical como acesso à vanguarda. Mais uma vez é preciso buscar apoio em Osman Lins. O escritor pernambucano ensinava da necessidade de se conhecer profundamente a gramática até para desrespeitá-la. De maneira mais risível, Luis Fernando Verissimo se define como um gigolô das palavras, que até bate nelas para que saibam quem de fato manda no texto.
Sidney renuncia a algumas maiúsculas como forma, ao que parece, de dar à narrativa um ritmo mais próximo da oralidade. Vejamos. "detestaria humilhá-lo, mas ‘O apartamento é meu, aqui pago tudo'. tirou o livro da bolsa e leu na página 63: talvez ainda estivesse lá, então continuou rodando." O trecho aponta para aquela intenção, no entanto os pontos, as aspas e outros tantos sinais mantêm a função de trazer a prosa para o ritmo comum das leituras e, aí, o esforço resulta em vazio. Talvez a solução estivesse numa maneira mais ortodoxa de escrita, no uso insistente da vírgula, como faz José Saramago.
O conto que dá título ao livro, Matriuska, se faz um bom exemplo de como o uso da vírgula favorece o ritmo da narrativa.
foi naquela vez que nos vimos que me mostrou todas as suas importâncias: eram fotos na carteira, a solidão de um brinco que largara no mundo o seu par, um cartão de visita com alguns números de manaus, para casos de emergência, um pingente di noir, dois sonhos já desistindo, ir a cuba e comprar com o suor do rosto um fiat uno que fosse, um bilhete dinamarca/brasil, de viagem que fez uma amiga para nunca mais voltar praquele gringo, O filho da puta, um absorvente e duas lembranças de um aborto,...
E por aí segue na construção de uma narrativa segura, ritmada, precisa em sua configuração psicológica.
Sem borboletas
Passado o incômodo, a maçada da vanguarda desnecessária, fica um livro de qualidades narrativas indiscutíveis, um livro que traz em si uma linguagem crua, cortante, precisa. Ou, como escreve Marcelino Freire na apresentação, "o pior sujeito é aquele que se acha. Facilmente. Aquele que coloca borboleta na gravata para escrever. E não voa. Não sai da mesmice. Eta porra!" Despido de borboletas e firulas, Sidney Rocha vai direto ao ponto, encurrala seus personagens em situações de dor e sofrimento, mas que são vivenciadas em cada esquina, no corre mesmo das horas. E foge da mesmice ao se projetar somente como narrador, fugindo de lições e conclusões mais sociológicas que literárias.
Para isso, sua preocupação básica é mesmo com os personagens, promovendo por todos os contos uma plena ausência de paisagem. Algumas cidades chegam a ser nomeadas, alguns rios, outros tantos mares, mas tudo de passagem, sem qualquer necessidade maior para o texto senão a configuração de um lugar. São espaços somente, microcosmos por onde transitam os personagens. O mecanismo impregna os contos de certa dose de universalidade. Embora sejam espaços brasileiros, o país se mostra como reflexo do mundo todo.
O fundamental é colocar os personagens em situações de tragédia, de fortes dores. E como o riso é parente da dor, constantemente as situações tornam-se risíveis. Com razão o crítico Mário Hélio fala de ironia e humor negro. "Há muitas ironias verbais, e podem ser vigiadas já a partir dos títulos, mesmo nos inexatos, como aquele que se refere à menopausa e se define ‘pause', quando o que se tem mesmo é o começo do fim. Noutra, é o humor negro, amargo, que emoldura o desejo de uma personagem como nova Medéia: não de um dia como a amante de Jasão: ela precisa de dois dias'."
Com relação aos títulos lembrados por Mário Hélio, eles vêm carregados de ironia por se contraporem ao contexto geral do conto. Os termos são modernos, mas as situações que nomeiam são arcaicas, velhas, antiquadas. Situações onde prevalecem o desprezo, o ciúme, o medo, a morte, e mais um tanto de sentimentos e acontecimentos dignos de antigos boleros. Contradições entre ontem e hoje.
A curiosidade aponta para o fato de os contos serem, em sua grande maioria, dedicados à condição do amor. Longe do amor bandido, mesmo assim aqui o amor é cruel, vive de desprezos e fatalidades, como ensina a protagonista do conto Feedback, a desesperada amante de Nestor. "mas vim pra ouvir o seu lamento outra vez, e dizer de novo que o amei como a macho nenhum nesta vida, é verdade, mas o amor tem um ranço no final, que não larga mais a gente e a gente vira limão quase, seca e bota amargor em tudo, que mulher é assim."
Neste aspecto, a dualidade entre amores e crueldades, Sidney se filia ao universo de Dalton Trevisan. Usa constantemente o diminutivo para designar pessoas e fatos, como o velho vampiro, aumentando com maestria a ironia emplastrada no absurdo dos fatos que conta.
Matriuska é um livro que renova pela linguagem, pelo ritmo preciso, pela forma que é oral, mas nunca banal, por saber trabalhar o contraditório que é a própria existência.
o autor
SIDNEY ROCHA, 43 anos, é autor de Sofia, uma ventania para dentro . Atualmente, vive entre Recife, São Paulo e Brasília.
trecho • matriuska
estava com pedro porque ele lhe contava de uma viagem a são paulo, mas essa ela já sabia de cor. "Você pode me contar alguma? Qualquer uma", pediu. "Preciso viajar daqui." durante o dia, arrumava quartos de hotel. já a puniram algumas vezes porque ela some e sempre é pega no topo, olhando o mar-horizonte. "Eu fico procurando cidades, lugares, lá longe. pedro disse que são paulo não tem praia, então procuro o rio e vou indo, vou indo..."
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
A fatoração existencial de Matriuska
por Marcos Vinicius Leonel
São poucos os títulos de livros que se permitem ao mesmo tempo a secura e o êxito. Matriuska é um deles. Esse é o título do livro de contos do caririense Sidney Rocha, cuidadosamente editado pela Iluminuras. Eis um sítio arqueológico encravado bem no meio do deserto cotidiano das altas tecnologias de mercado. De dentro dos dezoito pequenos contos brotam mulheres únicas, mas uma como contigüidade da outra, e todas carnavalizadas diante do inusitado que é o des-significado da vida.
A linguagem de Sidney Rocha é absurdamente adulta, adúltera, adulterada. A descontinuidade; a fragmentação; a vertigem; o desvão; o abismo; a circularidade dos labirintos; a plenitude do asfalto; a exoneração categórica do compartilhamento dos armários de rodoviária; a solidão esquizóide de uma camisinha desencolhida pela descompressão de um saco de lixo; a inutilidade premente e sem culpa da última vulgata desapropriada pelo sagrado em rota de fuga; e muito mais, além do fetiche, é claro, fazem parte do universo literário que brota aos punhados nos contos de Matriuska.
A sintaxe particular de Sidney Rocha na realidade não é única, ela é um desdobramento arquitetônico em fluxo que atravessa também a sintaxe de uma gama de outros desconstrutores, tais como, entre tantos, Robbe-Grillet, Claude Simon e Philippe Sollers. Mas, o que de fato isso importa? Nada. Mesmo porque a abordagem temática é outra e as intenções de descarnar o enredo até o osso passam necessariamente por outras vias. Restam aí, pois, a esfinge das pequenas narrativas como texturas refinadas da grande história e a dessacralização da eloqüência temática como fonte única da grande literatura.
O tema recorrente de Matriuska é a inserção da mulher no seu cotidiano, sem afetações heróicas ou humanistas. São sonhos, desilusões, desejos e fetiches, expostos sem truques teatrais ou arcabouços monumentais. Apenas o ser e o estar, sem maquinações de laboratórios ou defesas brilhantes de teses que não servem absolutamente para nada. A ambientação é urbana. Demasiadamente urbana. O livro tem cheiro de ferro, aço, vidro, plástico e asfalto. A cor predominante é o cinza chumbo do concreto. As arestas, as janelas, o riso tímido e os ruídos, ficam por conta do imenso tráfico de humanidade que existe em cada metrópole, mesmo que a província esteja registrada na carteira de identidade.
O sotaque de Sidney Rocha é extremamente simpático e envolvente. Suas pequenas histórias são rápidas, mas são duradouras. São novas trilhas abertas nesse emaranhado literário contemporâneo. São contos pequenos na quantidade de linhas, mas são enormes em seu feitio artístico. Nem os maneirismos de vitrine, as soluções programadas dos best-sellers, os mistérios cinematográficos e nem as patéticas claquetes da chamada cultura alternativa você encontrará aqui. Também não espere a natureza ser salva, a corrupção ser extinta, o capitalismo ser desmascarado, o povo ser celebrado através do resgate das raízes culturais. Muito menos a confissão mirabolante dos sete anões no caso de estupro da panaca branca de neve.
Sugiro que a sua leitura comece exatamente pelo conto que dá título ao livro, exatamente na página 23. Quando a personagem começa retirar da bolsa todas as suas importâncias, o leitor é apresentado a um escatológico desfile de objetos e fetiches. Eis o valor de uma lembrança. Eis o ser inserido em sua significativa insignificância. É só um lampejo. É só um fôlego. A partir daí, então, você terá um universo inteiro aos seus pés, pois literalmente o seu mundo será colocado de cabeça para baixo. Esse é um livro próprio para quem tem o hábito da leitura. Mais definitivamente: é um livro impróprio para quem não largou o hábito e vive de antigas sagrações.
São poucos os títulos de livros que se permitem ao mesmo tempo a secura e o êxito. Matriuska é um deles. Esse é o título do livro de contos do caririense Sidney Rocha, cuidadosamente editado pela Iluminuras. Eis um sítio arqueológico encravado bem no meio do deserto cotidiano das altas tecnologias de mercado. De dentro dos dezoito pequenos contos brotam mulheres únicas, mas uma como contigüidade da outra, e todas carnavalizadas diante do inusitado que é o des-significado da vida.
A linguagem de Sidney Rocha é absurdamente adulta, adúltera, adulterada. A descontinuidade; a fragmentação; a vertigem; o desvão; o abismo; a circularidade dos labirintos; a plenitude do asfalto; a exoneração categórica do compartilhamento dos armários de rodoviária; a solidão esquizóide de uma camisinha desencolhida pela descompressão de um saco de lixo; a inutilidade premente e sem culpa da última vulgata desapropriada pelo sagrado em rota de fuga; e muito mais, além do fetiche, é claro, fazem parte do universo literário que brota aos punhados nos contos de Matriuska.
A sintaxe particular de Sidney Rocha na realidade não é única, ela é um desdobramento arquitetônico em fluxo que atravessa também a sintaxe de uma gama de outros desconstrutores, tais como, entre tantos, Robbe-Grillet, Claude Simon e Philippe Sollers. Mas, o que de fato isso importa? Nada. Mesmo porque a abordagem temática é outra e as intenções de descarnar o enredo até o osso passam necessariamente por outras vias. Restam aí, pois, a esfinge das pequenas narrativas como texturas refinadas da grande história e a dessacralização da eloqüência temática como fonte única da grande literatura.
O tema recorrente de Matriuska é a inserção da mulher no seu cotidiano, sem afetações heróicas ou humanistas. São sonhos, desilusões, desejos e fetiches, expostos sem truques teatrais ou arcabouços monumentais. Apenas o ser e o estar, sem maquinações de laboratórios ou defesas brilhantes de teses que não servem absolutamente para nada. A ambientação é urbana. Demasiadamente urbana. O livro tem cheiro de ferro, aço, vidro, plástico e asfalto. A cor predominante é o cinza chumbo do concreto. As arestas, as janelas, o riso tímido e os ruídos, ficam por conta do imenso tráfico de humanidade que existe em cada metrópole, mesmo que a província esteja registrada na carteira de identidade.
O sotaque de Sidney Rocha é extremamente simpático e envolvente. Suas pequenas histórias são rápidas, mas são duradouras. São novas trilhas abertas nesse emaranhado literário contemporâneo. São contos pequenos na quantidade de linhas, mas são enormes em seu feitio artístico. Nem os maneirismos de vitrine, as soluções programadas dos best-sellers, os mistérios cinematográficos e nem as patéticas claquetes da chamada cultura alternativa você encontrará aqui. Também não espere a natureza ser salva, a corrupção ser extinta, o capitalismo ser desmascarado, o povo ser celebrado através do resgate das raízes culturais. Muito menos a confissão mirabolante dos sete anões no caso de estupro da panaca branca de neve.
Sugiro que a sua leitura comece exatamente pelo conto que dá título ao livro, exatamente na página 23. Quando a personagem começa retirar da bolsa todas as suas importâncias, o leitor é apresentado a um escatológico desfile de objetos e fetiches. Eis o valor de uma lembrança. Eis o ser inserido em sua significativa insignificância. É só um lampejo. É só um fôlego. A partir daí, então, você terá um universo inteiro aos seus pés, pois literalmente o seu mundo será colocado de cabeça para baixo. Esse é um livro próprio para quem tem o hábito da leitura. Mais definitivamente: é um livro impróprio para quem não largou o hábito e vive de antigas sagrações.
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