quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Discurso sobre a pequenez do ser humano

por Thiago Corrêa
Thiagocorrea.pe@diarioassociados.com.br
para o Diario de Pernambuco

Estampada quase todos os dias nas manchetes de jornais, a tragédia social do país também tem feito rodar as prensas do mercado editorial.Cenas de violência, descrições detalhadas de ambientes miseráveis e caracterizações de personagens sem perspectiva, enfrentando situações limite, são tão explícitas na literatura nacional quanto os problemas encontrados nas esquinas das nossas metrópoles. Um novo episódio desse enredo se inaugura com o livro de contos Matiuska, de Sidney Rocha, que sai em edição de capa dura pala Iluminuras e será lançado às 19h30 de hoje, na Livraria Cultura.

Embora não faça tanto alarde ou evidencie essa urgência pela denúncia social, o livro desperta uma sensação tão pertubadora quanto a leitura do conto Feliz ano novo,de Rubem Fonseca. Ao contrário de Fonseca, que entra de sola no rosto do leitor, Rocha prefere nos atormentar com um sussurro de velho no ouvido de uma criança.

A angústia desse escritor cearense – que hoje vive em Recife, São Paulo e Brasília – vai se revelando pouco a pouco, em pílulas, na medida em que os leitores vão descobrindo a pequenez do ser humano. Tudo acontece como numa brincadeira com as bonecas russas matriuskas. Somos envolvidos pela escrita engenhosa do autor enquanto vamos encontrando nossos semelhantes, cada vez menores, dentro das entranhas em forma de palavras.

Nos 18 contos de Matriuska, gestos de carinho se revelam lâminas, pó de vidro que engolimos e nos fazem sangrar por dentro. O dilaceramento vem disfarçado na forma da ingenuidade embutida na história de uma jovem do interior, em busca da família na cidade; no sonho de uma funcionária de hotel querendo conhecer o mundo; na devoção a Deus e nas lembranças de uma relação amorosa. É apenas um detalhe, causa, conseqüência, desfecho. O que mais vale na prosa de Rocha não é o que vai acontecer, mas como cada fato ocorre.

Matriuska é um livro de pequenos contos interligados pelo rebuscamento das raízes no mal da natureza humana. São histórias construídas como relatos despretenciosos, jogados como conversas de bar. Narrados em primeira pessoa, os contos ganham um tom confessional que permite a aproximação do leitor e resulta em grafismos para desvirtuar a linguagem. Nem o uso de termos da cultura de massa consegue pasteurizar a narrativa de Rocha, que se torna ainda mais deslocada quando anunciada por títulos como sundown, carefree e twitter.

O idioma também se transforma com o frescor da oralidade do autor, que lhe permite a junção de palavras como vocábulos e o descaso com as solenidades gramaticais, nas referências em maiúsculo a nome próprios e após pontos finais. Uma característica que nos faz lembrar Marcelino Freire, que assina o prefácio e também compactua com o interesse pela tragédia e com a lapidação de personagens brutos em rimas.

Entrevista // Sidney Rocha